São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Cresce importância do Estado, diz O'Donnell

GUSTAVO PATÚ ; FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Para o cientista político argentino Guilhermo O'Donnell, 57, a tendência da globalização de mercados aumenta a importância dos Estados nacionais fortes, em especial nos países subdesenvolvidos.
O'Donnell crê que a tarefa dos Estados nacionais é aprimorar a democracia e conduzir a globalização para o bem público.
Ele participa do seminário "O Brasil e as tendências econômicas e políticas contemporâneas". A seguir, trechos da entrevista:
Folha - Luciano Martins avalia que a globalização dos mercados obriga a revisão dos Estados nacionais. O sr. concorda?
Guilhermo O'Donnell - O mundo passa por um processo de globalização da economia, da informação e também da política, que é impressionante. Mas não devemos concluir que o Estado nacional não importa, é inútil.
A importância do Estado nacional tem crescido muito. O problema é como o Estado nacional vai conduzir o processo inevitável da transnacionalização. Se as tendências da transnacionalização não forem mediadas por um Estado nacional bem forte serão terrivelmente destrutivas, tanto na economia como na informação.
Folha - Estado forte é o estado dirigista da economia?
O'Donnell - Não. Estado forte é o que pode tomar decisões nos termos de uma visão de bem público, que não é a simples aceitação de pressões particularistas, sejam domésticas ou internacionais.
Folha - Na América Latina, a democracia está consolidada?
O'Donnell - Eu sou contra o termo democracia consolidada. Consolidação dá a idéia que se uma vez consolidou, a democratização é uma tarefa terminada.
Acho que no Brasil a questão é um contínuo impulso de democratização. Não é uma tarefa com um final histórico, de você chegou lá e acabou o problema. Há democracias que são mais ou menos democráticas enquanto os campos da ação social são ricos ou não. Na América Latina temos democracias que perduram, mas que são de corpo muito limitado.
Folha - Para perdurar, a democracia tem de promover a inclusão social?
O'Donnell - O que a democracia tem a fazer é assegurar a vigência do Estado de direito para todos os cidadãos, e isso não acontece ainda no Brasil e na Argentina. A tarefa é a extensão da cidadania política, não necessariamente social.
Folha - A lentidão da democracia em definir caminhos para a solução de problemas econômicos e sociais pode gerar novos golpes, como o do Peru?
O'Donnell - Não é tanto a lentidão. O que temos é uma série de governos eleitos democraticamente que deram péssimos exemplos de descaso, de incompetência, de corrupção, de nenhuma preocupação com o direito das pessoas. Essa concentração de defeitos irrita muito a população. Mas é um defeito mais do tipo de prática dentro do governo democrático.
Mas há governos que na democracia deram certo. Um governo exemplar de competência e retidão é o governo (Patrício) Aylwin, no Chile, que despertou confiança, que ninguém pensou que poderia roubar, que é muito competente.
Eu tenho confiança, conhecendo bem Fernando Henrique Cardoso, que seu governo terá a dimensão republicana, de distinção entre o público e o privado.
Folha - O sr. considera as alianças de FHC contraditórias com essa missão política?
O'Donnell - FHC sempre foi uma pessoa de idéias progressistas e uma atenção ao realismo muito grande. Eu não conheço nenhuma pessoa que não tenha mudado suas opiniões, porque o mundo mudou e a circulação das idéias sociais está completamente mudada.

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