São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994 |
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Dupas alerta para a globalização da miséria
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Eis as consequências prováveis da chamada terceira revolução tecnológica, impulsionada pela informática e a microeletrônica, cujos efeitos apenas começam a se esboçar neste final de século. Este soco no estômago do otimismo histórico, em alta no país às vésperas do governo FHC, não foi dado por um petista rancoroso ou por um peemedebista da Unicamp desconfiado diante de tanta euforia. Não. A análise acachapante foi sugerida pelo economista Gilberto Dupas, eleitor de FHC, ex-integrante do governo Franco Montoro (1982-1986) e ex-vice-presidente do Banco Safra. Sua intervenção na sessão de abertura do seminário "O Brasil e as Tendências Econômicas e Políticas Contemporâneas", que terminou ontem em Brasília com a presença de FHC, foi considerada por vários intelectuais o ponto alto do primeiro dia de debates. Embora tenha temperado suas idéias com o molho do pragmatismo, reafirmando suas convicções de que o caminho a ser trilhado por FHC é o melhor de todos na esfera do possível ("Programa FHC: o resgate do possível" foi o título de um artigo que publicou na Folha durante a campanha eleitoral), Dupas colocou os cinco dedos na ferida. Trocando em miúdos, expôs sem eufemismos aquilo que se constitui na grande ameaça da próxima rodada da ciranda capitalista –a exclusão incontornável da maior parte da população mundial do mercado de trabalho. Os efeitos a médio prazo que decorrem dessa turba crescente de marginalizados pelo processo histórico são ainda incertos e seu alcance é difícil de ser mensurado. Os sintomas, no entanto, estão à vista de todos. Eclosão de fundamentalismos, renascimento do neofascismo, multiplicação de organizações mafiosas, migrações de povos inteiros e guerras civis por toda parte. A lista pode ser estendida ao gosto do freguês. Foi esse quadro que levou o pensador alemão Robert Kurz a dizer em seu livro "Colapso da Modernização" que uma nova era das trevas se avizinha. Dupas certamente não partilha desse catastrofismo kurziano que, diga-se, tem pontuado a reflexão dos melhores intelectuais de inspiração marxista no Brasil. Que se leia, por exemplo, o artigo que o crítico literário Roberto Schwarz publica hoje no caderno Mais! sobre a situação do Brasil neste fim de século. Invertendo a análise corrente, Schwarz defende que a tão anunciada modernização brasileira não está por vir, mas de alguma forma já foi realizada (ou abortada). Deu no que deu. Seu resultado é isso que aí está. Diante da reviravolta tecnológica operada no coração do capitalismo a distância do centro à periferia tende a se transformar em abismo. É impossível agora tirar o atraso, que assume ares de destino histórico. Traduzido o problema em termos políticos e eleitorais, isso significa que Lula e FHC talvez sejam vítimas de ilusões simétricas, como já se disse. O primeiro perdeu a batalha acreditando que daria conta da miséria enfrentando-a cara a cara, de costas para a tendência internacional. FHC venceu apostando na possibilidade de inserir o país no contexto da economia globalizada para então atacar a miséria. Parafraseando Dupas, um analista mais escaldado teria boas razões para dizer que, num caso como no outro, trata-se do resgate do impossível. LEIA MAIS sobre o artigo de Roberto Schwarz à pág. 6-9 Texto Anterior: Cresce importância do Estado, diz O'Donnell Próximo Texto: Fishlow defende aliança de tucanos e pefelistas Índice |
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