São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Delação e cumplicidade criminosa

TALES CASTELO BRANCO

As opiniões de Michel Temer, René Ariel Dotti e Luiz Flávio Gomes, ao responderem, na coluna "Tendências/Debates", à pergunta: "Criminosos devem ter pena diminuída caso delatem outros membros de sua quadrilha?" (12.11.94, p. 1-3), estimularam o debate do controvertido tema.
É crônica a simpatia pelos expedientes exóticos, como esse de recompensar criminosos, a pretexto de combater a criminalidade.
Porém, continua firme a sentença de Jean Cruet: "Vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade."
Premiar a delação do co-réu, complicaria, ainda mais, a investigação policial. No dia-a-dia da criminalidade, os delatores –falsos ou verdadeiros–, e mesmo os co-autores confessos, são "gratificados", "aliviados" e "perdoados", ilegalmente, no curso das investigações criminais. Com o amparo da lei, esses expedientes iriam multiplicar-se, sem que a "prova apurada" transmitisse maior credibilidade aos órgãos julgadores.
Na esfera judicial, a confusão seria maior: a palavra do co-réu, interessado na "premiação", mereceria crédito, apesar da advertência de Genuzio Bentini de que a "chamada do co-réu" é um dos braços da cruz sobre a qual se crucifica a inocência?
O projeto do Deputado Michel Temer carrega as melhores intenções. As consequências, porém, nos parecem desastrosas.
A "premiação" estimularia a criminalidade. O facínora pensaria assim:– entro na quadrilha; se der azar, amortizo as consequências do "acidente do trabalho" com a delação de meus companheiros.
Eticamente, seriam dois pesos e duas medidas: punições diferentes para procedimentos totalmente iguais, com recompensas especiais ao traidor, como se a traição fosse um valor positivo do caráter humano.
E os trânsfugas? Seriam agraciados com "emprego novo, nova identidade, mudança para o exterior etc.", como querem alguns "colaboradores da Justiça", conforme denunciou o Magistrado Luiz Flávio Gomes? Receberiam, nesse país de fome e de miséria, o que a maioria trabalhadora de sua população não tem? Ou seriam abandonados à sua própria sorte: depois de usados e descartados, acabariam condenados, sumariamente, à pena de morte, executada pelos traídos e ressentidos, dentro ou fora dos presídios? Ou o Estado, financeiramente destroçado, deveria construir "prisões especiais" para os alcoviteiros da criminalidade?
E as chantagens contra as pessoas de bem? Não há como preservá-las desse assédio criminoso. Todos sabem que, ao lado de policiais honestos, há muitos caminhando na contramão da ética, às vezes até por necessidade de sobrevivência.
A questão é complicada: envolve desde os "defeitos de fabricação" das patologias criminais até a "tecnologia de ponta" das injustiças sociais.
A mancebia entre a "delinquência arrependida" e os órgãos da persecução penal não diminuiria a ineficiência do Estado atual "para investigar e punir os crimes e os criminosos", como acentuou o Magistrado Luiz Flávio Gomes.
É preciso aceitar a dura realidade: os nossos índices de criminalidade estão entrelaçados a outras inúmeras questões sociais. Apenas a modificação da lei penal não irá apascentar os criminosos e proclamar a paz social.

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