São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Livro se permite vários tipos leitura

RICARDO MUSSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

História do Brasil, de Boris Fausto, apesar de visar como destinatário também o homem letrado em geral, não escapa, defeito de origem, de algumas das limitações do painel paradidático. Se, pelo lado positivo da coisa, a exigência de compreensão por professores e alunos do secundário faz com que o livro ganhe em clareza e inteligibilidade, por outro lado, o recorte, a escolha dos fatos relevantes, e a sequência cronológica seguida à risca aproximam o texto de forma excessiva do manual tradicional.
É claro que se trata de um livro que –à maneira das produções mais avançadas da indústria da cultura– se presta a várias leituras. No plano mais imediato, para os alunos do segundo grau estão lá os pontos e os tópicos tradicionais, aqueles que o professor pede em prova e caem no vestibular, expostos com concisão e pertinência. O público letrado em geral, supostamente desatualizado desde a publicação do último livro de Hélio Silva, encontrará as últimas novidades interpretativas sobre o índio, o escravismo, a figura de Tiradentes, o sistema político no Império, a Primeira República, o Estado Novo e a transição "lenta e gradual". Já para os historiadores profissionais e aqueles que acompanham o debate historiográfico, há sínteses de controvérsias e, mais, tomadas explícitas e incisivas de posição.
Os problemas do livro, entretanto, não se devem apenas à urgência e ao escopo do projeto, que forçaram Boris Fausto, por exemplo, a prescindir da utilização de fontes primárias. Eles derivam da própria concepção historiográfica do autor. A ênfase na história econômica –resíduo de uma formação acadêmica que passava necessariamente pelas variantes do marxismo– o impede de incorporar as concepções historiográficas mais em voga, como as histórias de longa duração, da vida privada e das mentalidades, ou ainda, de tematizar a história das idéias, a religião, as artes e a cultura em geral.
Não se trata apenas do fato de que uma parcela ponderável da vida histórica e social foi deixada de lado. O que se perde, com esse predomínio da infraestrutura, é a própria possibilidade de um viés que no marxismo mais arrojado –no assim chamado marxismo ocidental–, visa a totalidade histórica a partir das superestruturas, numa coincidência notável com o que se fez no melhor ensaísmo interpretativo brasileiro.
Além disso, Fausto descarta, junto com a concepção etapista de um certo marxismo brasileiro, a ótica dos dominados. Mas, se o seu ponto de vista está mais próximo da funcionalidade intencionada por quem mandou construir as pirâmides, para usar um exemplo clássico, do que do ângulo dos que a construíram, ele –que queria se livrar de uma visão evolucionista da história– acaba recaindo na matriz dessa concepção, isto é, na concepção burguesa de progresso, para a qual o que importa é sobretudo a elevação do patamar material ou, no jargão marxista, o desenvolvimento das forças produtivas.

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