São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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DOS TUPIS AOS TUCANOS

RICARDO MUSSE; AUGUSTO MASSI

Folha - O senhor acredita na possibilidade do Brasil se inserir na assim chamada "terceira revolução industrial"?
Fausto - Acho que o Brasil não perdeu o bonde da história e que, com dificuldades, pode se inserir nessa onda de renovação tecnológica e de globalização. Isso vai depender de uma série de fatores, de decisões políticas adequadas, e também de um pouco de sorte.
Sou razoavelmente otimista, sobretudo do ângulo da vitalidade das mudanças ocorridas no Brasil. Se compararmos o cenário político-eleitoral dos EUA e do Brasil, verifica-se que não temos os problemas que existem nos EUA, como a utilização em larga escala da religião. Nessa comparação, diria que a política de Primeiro Mundo é a nossa. Apesar da desigualdade, da crise na valorização dos políticos, acho que o Brasil está no momento de dar um salto importante.
Folha - O senhor julga que é possível resolver, por exemplo, em prazo curto, a questão social?
Fausto - Não acredito que seja viável resolver em curto espaço de tempo um problema social que tem a gravidade do nosso. Isso é tarefa para pouco mais de uma geração e, do ponto de vista político, para vários governos, se eles mantiverem uma política consequente.
Folha - Como o senhor encara a ação do exército no Rio de Janeiro?
Fausto - É difícil ter uma visão acerca do que vai acontecer a longo prazo. É importante, pois se trata de uma questão geral do país que tem no Rio maior dramaticidade. O Exército tem a chance de ampliar seu prestígio, enquanto um poder que encontrou seu lugar na sociedade depois do fim da Guerra Fria. Isso se não fizer ações paranóicas assemelhadas à liquidação de uma guerrilha urbana. Se eles se contiverem dentro de determinados limites, creio que podem encontrar uma solução a médio prazo, o que não significa extinção da criminalidade, mas uma restauração da ordem e do poder legítimo do Estado. Não consigo imaginar que outra instituição cumpriria esse papel. Existem muitos riscos numa intervenção desse tipo, mas não creio, por outro lado, que isso seja uma simples encenação.
Folha - Levando um pouco em conta a história do Brasil, como o senhor imagina o governo FHC?
Fausto - O governo Fernando Henrique tem todas as condições para instaurar um novo ciclo. Os resultados recentes mostram que ele terá uma base de sustentação que poucos governos tiveram, o que lhe impõe maiores responsabilidades. Temos a possibilidade –principalmente por meio da base fornecida pelos governadores– de ter um congresso harmonizado com as intenções do executivo.
A população, por sua vez, tem uma expectativa muito otimista em relação aos novos tempos e tem avalizado as iniciativas governamentais. Isso é muito importante. Não se pode esperar muito de um governo que não conte com uma dose expressiva de legitimidade. Além do que, não se trata de uma legitimidade conseguida irracionalmente, mas que foi obtida por meio de uma política que vem tentando conseguir a estabilidade de uma maneira diferente do que fora tentado até aqui. Tivemos um discurso transparente acerca do que a população podia esperar das medidas econômicas. Apesar das dificuldades, está acontecendo uma coisa nova: a continuidade de um plano econômico e de medidas de restauração da moeda após as eleições. Aquela suspeita de que o plano seria eleitoreiro não se mostrou verdadeira.
Folha - Em termos de história republicana, o governo FHC estará mais próximo de JK ou de Tancredo?
Fausto - A questão da proximidade é sempre complicada, pois as conjunturas variam e o país muda muito. Uma coisa é a utilização em campanha de certas imagens. No plano do imaginário existem semelhanças entre o otimismo da campanha do FHC com a imagem de otimismo que foi veiculada na campanha do JK. Existiu uma percepção na campanha que me pareceu muito feliz: a de que a população estava cansada de críticas, de autopunições e queria um discurso de mais esperança. É claro que isto foi potenciado pelo real.
Também há semelhanças em termos de políticas reais. O Juscelino abriu, internacionalizou a economia. Hoje também se quer isso, mas –diferentemente do Juscelino que não se importava que o desenvolvimento viesse junto com o aumento da inflação– se faz da estabilização da moeda uma das chaves da política econômica.
Outra diferença é a sustentação política. É verdade que o Juscelino foi muito hábil no arranjo dos apoios, mas ele partiu de uma base muito menor, seja em termos de votação, que foi minoritária, seja em termos de composição política. A lição é que há certas formas de construir imagens que remetem ao passado. A história, porém, não se repete nem como farsa. Vivemos tempos novos. É preciso decifrar nosso tempo com as virtualidades e dificuldades que ele apresenta.

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