São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Guerras invisíveis sobre o tabuleiro

MANUEL DA COSTA PINTO
DA REDAÇÃO

Até mesmo o xadrez, o mais cerebral dos jogos, pode trazer em suas disputas a marca sangrenta das paixões humanas. É nesta possibilidade metafórica que o escritor Paolo Maurensig aposta ao longo de A Variante Lneburg.
Aparentemente, trata-se de um romance de mistério, que tem como motivo inicial o provável suicídio de Dieter Frisch, um rico empresário de Viena.
O relato de seu último dia de vida, a bordo de um trem que leva à capital austríaca, porém, transforma-se numa sucessão de narrativas do passado, no qual Frisch, um oficial da SS, trava um duelo enxadrístico com o judeu Tabori, num campo de concentração.
A história dessa rivalidade é narrada sucessivamente por Tabori e por seu discípulo Mayer, que acompanha Frisch durante o trajeto. Eles agem, assim, como o jogador que, envolvido numa sequência ou variante do xadrez, cumpre um destino que sabe inevitável, mas cuja beleza estética o atrai cruelmente para a revelação final do xeque-mate.
A riqueza do livro de estréia do italiano Maurensig, entretanto, não se esgota nessa analogia entre a perfeição dos movimentos sobre o tabuleiro e a construção geométrica da narrativa.
Ambientado na 2ª Guerra, o romance produz também o embate entre concepções da realidade: se o xadrez é uma representação de todas as guerras, seu enredo narra o conflito entre o horror germânico ao imprevisível (representado pela desordem tática da variante Lüneburg) e a devoção espiritual à estética do jogo, ao mundo sensível, à inteligência que não se refugia da dor pela abstração.

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