São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Eleição de Mandela espanta portugueses

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

Traumatizada com o que ocorreu em Moçambique e Angola em 1975, quando governos negros, marxistas, tomaram o poder, a grande comunidade portuguesa na África do Sul emigrou aos milhares este ano do país por causa das eleições de maio que levaram Nelson Mandela à Presidência.
"No momento estamos passando por uma crise nas associações (de portugueses) porque muitos saíram da África do Sul antes das eleições", afirma Agostinho Macedo, 42, presidente da Federação das Associações Portuguesas.
A entidade reúne 28 associações. O estudo mais consistente já realizado no país sobre a comunidade portuguesa, em 1989, estima que entre 600 mil a 700 mil pessoas "com sangue português" vivam no país. A maioria tem passaporte de Portugal e também cidadania sul-africana.
Com esse peso numérico, é possível morar em Johannesburgo, por exemplo, e praticamente só falar português. São eles que mantêm grande parte das mercearias da cidade, têm alguns dos melhores restaurantes e são bem conhecidos na área da construção civil.
Em Johannesburgo há programas de televisão em português, uma rádio que só transmite em português, uma casa para idosos, escolas bilíngues, diversos "clubes do bacalhau", entre outras organizações da comunidade.
"O primeiro europeu a vir a África do Sul foi Bartolomeu Dias, em 1488", conta Rogério Varela Afonso, 50, diretor do semanário português-sul-africano "O Século" (40 mil exemplares).
Sua história é semelhante à de muitos outros portugueses no país. Nascido em Lisboa, Afonso foi para Moçambique em 1968, onde estudou jornalismo em uma das melhores universidades que havia no sul da África, a de Lourenço Marques – capital moçambicana, hoje chamada Maputo.
Com 24 anos, era chefe de redação do principal jornal diário moçambicano. Aí veio a independência do país em relação a Portugal e a tomada do poder pela Frelimo (Frente para a Libertação de Moçambique). Afonso fugiu para a África do Sul.
"Tranquei a porta de casa e vim para cá guiando meu carro com a mulher grávida e uma filha pequena", conta. "Tinha 50 rands (cerca de R$ 13) no bolso."
"As pessoas eram presas sem julgamento e muitas desapareciam", afirma o cônsul-geral de Portugal em Johannesburgo, João Brito Câmara. "Até barbearias foram nacionalizadas. Mas houve portugueses que lá ficaram."
Poucos. Segundo Câmara, havia em Moçambique 250 mil brancos portugueses. Quase todos fugiram para a África do Sul e Portugal em 1974 e 1975. A mesma coisa aconteceu em Angola.
Neste ano, as coisas se inverteram. "Saíram talvez uns 50 mil portugueses da África do Sul", afirma o diretor de "O Século". "Mas muitos já estão voltando."
Segundo o cônsul-geral de Portugal, a maior parcela de portugueses na África do Sul vem da ilha de Madeira, ilha na costa africana, que serviu de base lusitana para as grandes navegações.
Com capacidade para abrigar cerca de 300 mil pessoas, Madeira "exporta" seus habitantes para o resto do mundo desde o século 17.
No final do século passado, eles compraram terras para plantio no país e montaram seus estabelecimentos comerciais para alimentar os mineiros da "terra do ouro", como Johannesburgo é conhecida.
Com o favorecimento do apartheid aos brancos, nova leva de madeirenses veio ao país durante as décadas de 50 e 60.
Quando os Bragança, descendentes da monarquia portuguesa, visitaram a África do Sul, há cinco anos, foram recebidos pelo rei zulu, Goodwill Zwelethini.
Há três semanas, Zwelethini esteve envolvido em uma disputa por poder com seu ex-conselheiro tradicional, o atual ministro do Interior, Mangosuthu Buthelezi.
Sentindo-se em risco, Zwelethini buscou abrigo em Portugal.

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