São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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"Veinte años"

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A letra de um tango dançava na cabeça enquanto lia a reportagem de Gustavo Krieger sobre as fichas dos "terroristas" e "subversivos" hoje encastelados no poder. É o "Volver", um clássico, que diz a certa altura: "Veinte a¤os no es nada". É, sim. Parecem até uma eternidade.
Pérsio Arida, presidente do BNDES e aparentemente em trânsito para o Banco Central, é descrito como militante da VAR-Palmares, o que de fato foi. Merece, portanto, a qualificação de "subversivo".
É claro que pode ser visto também pelo outro lado e ser chamado de "revolucionário" ou "herói da resistência".
Pedro Malan é acusado de tentar organizar a esquerda entre os professores da USP, junto com João Sayad e Luiz Carlos Bresser Pereira. Não sei se Malan tentou mesmo algo parecido. Também não importa muito.
O curioso é comparar os "subversivos" e/ou "revolucionários" de ontem com os homens de hoje. Aquele elegante Malan de todas as fotos tem cara de subversivo? O Pérsio, apesar do rosto ainda meio juvenil sob os cabelos já embranquecendo ("veinte a¤os no es nada"?), tampouco leva o menor jeito de subversivo.
Não é apenas na roupagem que se notam as marcas da passagem do tempo. É no discurso e na prática que se acentuam as diferenças. O que hoje dizem e fazem Breser, Pérsio, Malan e cia. não tem nada de subversivo. Enquadraram-se no receituário clássico, aqui e ali pontilhado de frases sobre o social.
Não é juízo de valor, entenda-se bem. De repente, errados eram os "subversivos" de ontem e certos estão os bem-comportados senhores de agora. Ou, sei lá, estavam ambos certos, cada um na sua época.
Volta também à memória uma frase (já usada neste espaço) de outro fichado, Sérgio Motta, hoje próspero empresário, ontem militante da AP. É aquela que diz que o novo governo tentará implantar "a utopia da nossa geração". Aí é que se vai ver se "veinte a¤os no es nada" ou bastam para transformar a utopia em conformismo.

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