São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Um tucano fora do muro

COSETTE ALVES
FOTOS LULA MARQUES

Entrevistei o ministro da Fazenda no seu gabinete, em Brasília. Ciro Gomes é alto, jovem e bonito. Tez pálida, cabelos castanhos claros. Tem o olhar triste, mas surpreendentemente franco e enérgico. Treze anos na política não tornaram seu olhar blasé como o de muitos homens públicos, que não se emocionam mais diante dos graves problemas que enfrentam. É um idealista. As mãos me impressionaram muito. Movimentam-se com expressividade, sólidas e leves. Mãos de artista, deve tê-las herdado da mãe, professora e cantora lírica, soprano.
O ministro se refere à equipe econômica com admiração e respeito. Face às histórias de atrito que se tem lido, teriam sido apenas problemas de adaptações e divergência saudável de idéias em busca de consenso. E não desavenças e rivalidades.
Brasília é o feminino de Brasil e o relacionamento feminino é pessoal. Em Brasília, conflitos reais do Brasil se transformam em conflitos pessoais. Assim, a guerra entre comércio, agricultura, indústria, trabalhadores e bancos se transformam em brigas de pessoas. Ciro Gomes tem uma retórica forte e não é escravo da beleza das palavras, que podem seduzir e afastar do problema concreto. Apesar da retórica forte, ele não me pareceu descontrolado nem impulsivo. Ao contrário, sereno e controlado. Sua característica marcante é que, não sendo diplomata, dá nome aos bois. É um ministro à prova de parabólica. Só para lembrar, logo após as eleições, os problemas do Real surgiram, passaram para o primeiro plano e o tempo esquentou!
Empresários diziam que aumentavam preços porque precisavam, não porque queriam. A indústria chiava por causa da diminuição das tarifas e da sobrevalorização do real, que dificulta as exportações. Os trabalhadores reinvindicavam aumento do salário. Não são problemas fáceis. Frente às ameaças de aumentos abusivos, que poderiam comprometer o Plano Real, o ministro declarou em alto e bom som que considerava aquilo "uma canalhice". E classificou de "otário" o consumidor que pagasse ágio e não procurasse o melhor preço. Certo ou errado?
O fato é que, em pesquisa antes de ocupar o Ministério, Ciro Gomes era visto como um político sério por 54% dos entrevistados. Esse número passou para 70%. E a revista "Time" o escolheu como um dos cem líderes mundiais, na faixa de 30 anos, com destaque na sua área. Por outro lado, tem sido muito criticado. Será que as críticas também não são fruto da inveja? A "Bíblia", livro da sabedoria cristã, conta que a inveja começa na família. E na política, não começaria dentro do partido? Um tucano com vôo próprio e que despreza o "politicamente correto" incomoda. Tira o sono de muitos companheiros. Uma coisa é certa: o ministro é um tucano que não está em cima do muro.

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