São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Um tucano fora do muro

COSETTE ALVES
DA MORTE NÃO. EU TENHO MEDO DE FICAR SÓ.

Um colega da escola pública, que era muito próximo, matou uma pessoa. Está preso. Isso marcou minha vida para sempre, porque serviu para eu não ter soberba nunca. A vida é uma questão de determinação, mas também de sorte

Lembro de um trecho de Elias Canetti ("A Consciência das Palavras", ensaios, Companhia das Letras, 286 págs.) que pode ajudar a compreender e pensar no estilo Ciro Gomes. "Um dos fenômenos mais inquietantes da história do espírito humano é o esquivar-se do concreto. Possuimos uma acentuada tendência a nos lançarmos sempre ao longínquo, indo constantemente de encontro a tudo aquilo que, estando imediatamente à nossa frente deixamos de ver. Mas (...) a situação da humanidade hoje é tão séria que somos constrangidos a nos voltar para o que está mais próximo, para o concreto".
O ministro Ciro Gomes é concreto. Talvez por isto algumas vezes áspero e cheio de arestas. Duro... como a verdade.
O homem
–Conte alguma lembrança forte da infância.
As lembranças mais fortes são de Sobral, interior do Ceará. A que me acompanha e que ainda me choca é sobre um colega, da escola, de quem eu fui próximo. Ele entrou para a Marinha e matou uma pessoa. Foi preso. Depois matou outra pessoa. Está preso. Lembro sempre dele, porque a minha vida foi diferente. Seu nome é Kleber Soares. Se ele ler esta entrevista, quero que saiba que lembro dele. Esse fato marca a minha vida para sempre, porque também serviu para eu não ter soberba nunca. A vida é uma questão de determinação, mas também de sorte.
–Como são seus pais?
Meu pai é um homem muito forte, um sertanejo, filho de proprietário rural e tem um lado intelectual, professor da universidade, aposentado, lê muito. Continua indo ao sertão montar a cavalo e pastorear o gado. Minha mãe é sensível e inteligente. Professora da universidade. Também canta. Tem uma voz soprano bonita e muito apego à arte.
–Quando criança, era extrovertido ou introvertido? E hoje?
Tímido, quando criança. Hoje, nesse aspecto, tenho uma personalidade mista. No palanque me sinto em casa e na TV me sinto bem. Mas se recebo um elogio direto, fico vermelho.
–O senhor tem medo da morte?
–Uma grande frustração.
Nosso candidato não ganhou a eleição para a Prefeitura de Fortaleza (92). Eu tinha a sensação de que tinha certa ascendência sobre a comunidade. Foi uma lição preciosa de humildade.
–Notou algumas mudanças importantes em si mesmo, nesses últimos dez anos?
Eu tenho aprendido muito, aprendo vorazmente.
–Cite um momento muito feliz na sua vida.
Foram três. Os nascimentos dos meus três filhos, em que eu ajudei a fazer o parto. É emocionante. Um momento mágico.
–Que pergunta faria a si mesmo, se estivesse se entrevistando?
Qual é a sua, o que você quer? A resposta seria muito longa.
–Qual a imagem que tem de si mesmo e qual a imagem que acredita que os brasileiros hoje têm da sua pessoa?
Acho que as duas são muito próximas uma da outra. Às vezes, temo ser confundido, porque sou inquieto. Há uma percepção geral de que eu gosto de fazer as coisas corretamente.
–O senhor se considera de pavio curto ou controlado?
–Se pavio curto for uma pessoa intempestiva, incapaz de dominar seus impulsos, não sou. Sou controlado.
O político
–Como lida com inveja e rivalidade no trabalho?
Eu acho normal. As pessoas também se movimentam por interesses e vaidades. Alguns são legítimos, outros não. Uma pessoa ter uma certa competição com outra pode até ser um interesse legítimo. É preciso ter tolerância. Mas, me choca o interesse destrutivo: aquele que está de mal com a vida e odeia as pessoas que estão de bem com a vida e cada um que é uma referência de êxito e de bom humor para ele é uma ameaça.
–Dizem que muitos boatos contra o senhor nasceram do ninho dos tucanos, para queimá-lo. O que acha disso?
–Este é o pano de fundo: a indústria nacional, nascida sob a proteção do Estado, hoje está exposta a uma competição agressiva. O modelo econômico, que animou a indústria para a exportação, está exposto a uma apreciação do câmbio, consequência do êxito do Plano Real. A inflação continuada permitiu aos bancos gerar uma receita inflacionária, que no mundo inteiro é uma perversão. O Plano cria um ambiente hostil a estes interesses, a mim ou a qualquer outro que fosse ministro da Fazenda.
Talvez até dentro do meu partido –e aí isso tem relevo. Se for um ou dois do meu partido, e dos outros partidos cem, um do meu partido choca muito mais. É suficiente que ele esteja numa roda de empresários de São Paulo, falando honestamente sobre os problemas. "O meu prejuízo foi de US$ 10 milhões, o meu foi de US$ 5 milhões. É um absurdo esses tecnocratas de Brasília" etc. Aí passa um político influente do PSDB nessa roda. E não defende. É o bastante para gerar especulações. Mas não acredito em conspiração contra minha pessoa. Não mereço.
–O senhor aceitaria um convite para o Ministério da Saúde? Consta que existe muita corrupção na área.
Não há convite do presidente eleito. E não pretendo ser. Agora, qualquer ministro da Saúde precisa dar uma limpada na área.
–Quais são seus planos, quando deixar o Ministério?
Resolvi interromper um pouco minha vida pública. A minha vontade hoje é desenvolver a carreira acadêmica nos EUA.

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