São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um tucano fora do muro

COSETTE ALVES

O ministro
–É favorável a um Banco Central independente?
Eu era, teoricamente. Todo país civilizado precisa ter uma autoridade monetária imune às ingerências mundanas da política. Agora, acho que o Brasil não está maduro para isso. Precisa haver uma ingerência muito forte do poder democrático brasileiro, que está se constituindo agora, para que o Banco Central tenha mais disciplina com relação a esse sistema financeiro.
–Como vão ficar e como deveriam ficar as taxas de juros?
As taxas de juros têm tendência consistente de declínio desde que se constituiu o governo Itamar Franco. Ainda são muito altas, porque estamos em transição e não podemos olhar só as taxas para os financiamentos, mas temos que ver as que remuneram a poupança. É prudente ter uma taxa de juro que mantenha esse enorme estoque de poupança financeira, porque a orgia consumista, nesse momento, seria mortal para o país todo.
–É a favor do aumento do salário mínimo?
Claro. O salário mínimo, no Brasil, pode perfeitamente ser superior a cem reais. Mas é impossível dar esse passo sem cuidar das implicações em três aspectos, dois estruturais e um conjuntural. Estrutural, a Previdência Social. Outro, o da administração pública estadual e municipal, dos Estados e municípios mais pobres e até alguns ricos que já estão estrangulados.
–O que fazer com os bancos estaduais, as dívidas vão ser renegociadas?
A solução está em os Estados fazerem um arranjo patrimonial de maneira a limpar esses passivos.
–O senhor é a favor da privatização dos bancos estaduais?
Deve ser uma decisão de cada Estado. Não acho razão doutrinária para o Estado ter banco.
–Acha que a dolarização pode ser um bom caminho para a continuidade do Plano de Estabilização?
Não há necessidade. A dolarização foi colocada em alguns países porque havia uma desconfiança irremovível da população em relação a sua moeda. O Brasil não é assim. Ao contrário, nós emitimos uma moeda e ela está apreciando frente ao dólar em bases consistentes.
–A recessão é necessária para se combater a inflação?
Não. Recessão jamais pode ser um objetivo num país como o Brasil. Temos que buscar um equilíbrio fiscal. Não precisamos falar em recessão, e sim optar entre crescer inflacionariamente a 6% ao ano ou crescer a 4% ao ano sem inflação. Opto por isso.
–Imagine que é um empresário que tem US$ 50 milhões para investir. Onde investiria?
Na indústria ou no serviço. Mas teria mais vocação para a indústria. Na área de roupa ou comida.
–O sr. pode explicar sua colocação sobre a canalhice do empresário e o consumidor otário?
Eu tinha acabado de votar, uma repórter perguntou: "O que o senhor acha dos empresários que estão dizendo que vão aumentar o preço porque passou a eleição?" Eu disse que aumentar preço porque passou a eleição é uma canalhice. Acho canalhice, mas acho mesmo, friamente, muito moderado e sereno. Quanto ao consumidor, eu nunca disse isso. No "Bom Dia Brasil", me perguntaram o que eu diria a um consumidor que está sendo abordado para pagar 70% de ágio no carro popular. Disse que o consumidor brasileiro não deve se deixar tratar como otário. Isso não é chamar o consumidor de otário.
–O presidente Clinton lhe dá US$ 5 bilhões para gastar. Onde gastaria?
Recuperaria rapidamente as universidades e os laboratórios e, também, a infra-estrutura. Reformaria os portos, faria investimentos na área de energia, ciências, tecnologia.
–O presidente Clinton rompe a palavra e o sr. já gastou os dólares. Onde corta?
No desperdício do setor público, que no Brasil é enorme.
– O sr. é um empresário bem sucedido, vai montar uma fundação. Depois de sua família, qual seria o objetivo?
Deveria estimular cérebros para a pesquisa e para arte.
–O que pensa da elite do país?
As elites brasileiras intelectual, artística e religiosa têm se reciclado de forma positiva. Mas temos umas subfrações egoístas e predadoras. Contra essas eu me bato de forma sistemática.
–O sr. poderia ser mais direto?
Ao nomeá-las, poderia cometer algumas injustiças. Mas são três grupos. Os plutocratas, os oligarcas e os corporativos. Os plutocratas se entranharam no Estado ou subfaturando quando compram das estatais, ou superfaturando quando vendem para as estatais, ou fazendo obras e prestando serviços para o Estado. São os que desenvolveram mecanismos de subsídios de créditos públicos sem retorno. Os oligarcas são os políticos que praticamente hegemonizam as instituições formais da política brasileira para servir seus próprios interesses, pessoais, locais, regionais. E a caricatura é essa Comissão de Orçamentos que vimos, com emendas espúrias. Os corporativos são grupos muito agressivos do sindicalismo pequeno-burguês: funcionários públicos, bancários com discurso de trabalhador e que, também, menos do que os outros grupos, fazem esse jogo de uma elite egoísta. Enquanto isso, os excluídos são a maioria. Esse número é terrível. Um indicativo disso é a proporção entre eleitores e contribuintes de Imposto de Renda. Temos 90 milhões de eleitores e uns quatro milhões e meio de contribuintes, sendo que desses quatro milhões e meio, um milhão e meio são não-assalariados e três milhões são assalariados. Não há isso no mundo.

Texto Anterior: Um tucano fora do muro
Próximo Texto: DESENVOLVIMENTO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.