São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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O dilema da virgem

Às vezes, o Direito nos coloca estranhos paradoxos. A menina Josimeire Ribeiro da Silva, 15, quer se casar. Como tem menos de 16 anos, embora conte com o consentimento dos pais, precisa de autorização judicial para fazê-lo.
Acontece que Josimeire é uma moça que pode ser chamada de conservadora: faz questão de manter-se virgem até a noite de núpcias, casar de papel passado e na igreja. E o juiz considera que ela, "não conhecendo as particularidades da vida a dois", "não está preparada sexualmente para o casamento". A autorização não foi concedida, portanto, porque ela nunca dormiu com o seu noivo.
Assim sendo, Josimeire não poderá realizar seu casamento civil. Vai-se contentar só com o religioso e poderá viver em paz com o seu marido. Se a união configurar-se estável, será como se Josimeire estivesse, para todos os efeitos práticos, legalmente casada.
Assim, foi tudo uma grande perda de tempo. A família deu-se ao trabalho de procurar um juiz que se deu ao trabalho de tomar uma decisão que, na prática, será ignorada, sem que ninguém esteja descumprindo lei alguma. Trata-se sem dúvida de um caso menor, e bastante raro. Ele é, contudo, emblemático da situação por que passa hoje o direito de família brasileiro.
Muitas das leis foram elaboradas nas primeiras décadas do século e não acompanharam a verdadeira revolução de costumes que se observou desde então, particularmente a partir dos anos 60.
Verdadeiros fósseis sobrevivem nos códigos. Uma pessoa pode, a rigor, ser presa por cometer adultério. De outro lado, a Constituição de 88 trouxe várias inovações no campo do direito da família que não foram acompanhadas pela legislação, dificultando sua aplicação.
Agora, às vésperas da posse de um novo Congresso, é hora de cobrar uma maior adequação das leis que regem as uniões familiares –algo que diz respeito a todos os brasileiros– aos novos costumes. E mais, é preciso que as inovações se dêem perseguindo a menor ingerência externa possível na vida das pessoas. É preciso resguardar ao máximo os direitos individuais, mesmo o daqueles que desejam permanecer conservadores.

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