São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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A escolha do homem certo

MARIO AMATO

A cada dia que passa constatamos que as pessoas cujos nomes foram oficiosamente divulgados como já escolhidos pelo presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, para compor seu ministério são de alto nível intelectual e profissional e de ilibado caráter. Com base nessas qualidades, espera-se que sejam capazes de realizar tudo aquilo de que o país precisa para retomar o seu crescimento e marchar para o seu lugar no Primeiro Mundo.
Há, todavia, um provérbio que minha avó italiana sempre citava que gostaria de lembrar: "Entre dizer e realizar, há um mar a atravessar". A inteligência costuma dirigir a palavra. Sempre que ocorre o contrário, nos defrontamos com a demagogia e com a retórica vazia, muito semelhante a um outdoor, por trás do qual nada existe.
A demagogia geralmente caminha para a crítica pela crítica, e aparecem os arquitetos de idéias que não têm a companhia dos mestres de obras, capazes de levá-las à prática. Por isso o Brasil enfrenta essa situação de esquizofrenia, na qual leis e decretos não se compatibilizam com a realidade econômica, política, social e cultural do país.
Os teóricos sublimes sabem tudo, mas não sabem o que é importante, como o respeito aos usos, costumes e tradições da sociedade, ou as regras estáveis de comportamento, uniforme e coordenado.
Esse é um quadro que precisa ser modificado, para não continuar a gerar incertezas e desconfianças nos empreendedores, que não sabem como agir diante de regras, ordens e contra-ordens que mais parecem uma obra de Kafka ou de Ionesco, dando oportunidade para o aparecimento dos aproveitadores, que querem ganhar tudo hoje porque não sabem qual, ou como, será o amanhã.
O Brasil hoje tem tudo para acertar. Estamos preparados para a grande arrancada. Basta que prossiga a escolha dos homens certos para os lugares certos. Homens que conheçam efetivamente a realidade nacional e que não se valham da incontinência de linguagem nem de portarias ex-abrupto, atitudes que, embora bem-intencionadas, abalam o mercado e não raro levam as empresas, e até categorias econômicas inteiras, a perdas irreversíveis.
Costumo dizer que ser empreendedor no Brasil de hoje é como jogar o jogo estúpido da roleta-russa, que não deixa perceber se a bala está ou não na agulha, pronta para o disparo.
O novo ministério, em fase de organização, parece ter a característica que a nação reclama: um elenco de homens capazes e honestos. Todavia, a minha experiência de mais de seis décadas dedicadas a várias atividades econômicas me leva a crer que para um ministério da importância do da Indústria, Comércio e Turismo deveria ser escolhido um empreendedor vencedor. Um homem que, além de honesto e de reconhecido valor moral, seja um "expert" em todos os setores produtivos.
Um homem que saiba a diferença entre uma nota fiscal e uma promissória, que saiba ver entre todos os produtos aqueles que são mais importantes para o crescimento da economia nacional, seja da agroindústria, da mineração, da indústria, do comércio ou dos serviços, em que se destaca o turismo, que deverá funcionar como fator de progresso e de mudança da imagem do Brasil no exterior.
O próximo ministro da Indústria, Comércio e Turismo precisa conhecer o papel das comodities e distinguir as necessidades da pequena, da média e da grande propriedade agrícola. Tem de compreender a importância que as pequenas e médias empresas têm para a economia, que não é inferior à da grande empresa.
Esse ministro tem de ter passado também pelas batalhas da negociação, quer nas câmaras setoriais, as quais deverá estimular, quer no debate sindical, em que se desenvolve um desesperado esforço para unir o capital e o trabalho. Precisa ser um homem que tenha capacidade para ouvir os empresários e os trabalhadores, reconhecendo-os como parceiros no processo da produção.
O titular daquele ministério não precisa ser um super-homem, nem se transformar num superministro. Precisará, no entanto, ter conhecimento amplo, ser realmente eclético, para distinguir a qualquer momento o que é mais interessante para o país exportar e importar, sem prejudicar o parque manufatureiro e a agroindústria.
O novo ministro terá de saber influenciar os produtores a optar pela qualidade, a ponto de levar um número cada vez maior de produtos nacionais a receberem a chancela da ISO 9.000 e a aumentar a produtividade. Tem de saber proteger a produção nacional sem subsídios que prejudiquem a economia como um todo.
Esse homem existe? É claro que sim. Aliás, em nosso país há vários homens com esse perfil. Em ordem alfabética, para que não se imaginem preferências que não existem, eu poderia citar Antonio Ermírio de Moraes, Arthur João Donato, Edmundo Klotz, Fernando Luiz Gonçalves Bezerra, Jorge Gerdau Johannpeter, José de Freitas Mascarenhas, José Milton Dallari, Marcus Vinicius Pratini de Morais, Osvaldo Moreira Douat, Paulo Guilherme Aguiar Cunha e tantos outros, que inclusive poderiam prestar um ótimo serviço se ocupassem a pasta nos governos de seus Estados.
Esse homem, cujo perfil acredito ter traçado linhas acima, precisa ter grande conhecimento do quadro político brasileiro, para evitar a prática populista, que leva ao clientelismo, sempre disposto a distribuir o que não tem para satisfazer o oportunismo político que se opõe aos interesses nacionais.
O presidente eleito poderá, se assim o desejar, seguir o exemplo do Japão, da Itália, da França, que consultam as entidades representativas do setor produtivo nas escolhas dos nomes dos homens que terão a tarefa de promover o progresso econômico daquelas nações.
E ele pode estar certo de que, se assim agir, escolhendo o homem certo para o lugar certo, terá de imediato o apoio das cinco grandes confederações empresariais e, sem dúvida, também dos trabalhadores.

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