São Paulo, sexta-feira, 23 de dezembro de 1994
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Engulhos

SÍLVIO LANCELLOTTI

Como qualquer ano que se registre, em 1994 se equilibraram os vícios e as virtudes. Hoje, vou me engulhar com os defeitos. Sobre os prazeres, me dedicarei na próxima sexta-feira.
Internacionalmente, não aconteceu maior vergonha do que o "frame up" de Diego Maradona, a armadilha que a cartolagem do planeta colocou em seu rumo. Maradona se comporta, muitas vezes, como um inconsequente. Não merecia, todavia, que lhe cortassem as pernas nos EUA.
Da trama participaram a Fifa e a federação platina. Ambas sabiam que o "Pibe de Oro" ingeria um remédio para emagrecer. Através de emissários hoje acovardados e omissos, se garantiu ao craque a segurança dos remédios e a impossibilidade de um exame antidoping interromper o seu percurso.
Do episódio, cujos mínimos detalhes já publiquei cá nesta Folha, sobra uma frase que a ditadura inevitável do espaço cortou de meu original. Ao saber da presença de efedrina no xixi de Maradona, a senhora Nélida Grondona, mulher do presidente da federação platina, esculhambou o marido por permitir o retorno do astro. Assim que Grondona recebeu um telefonema com a notícia, dona Nélia cobrou do esposo: "De novo, ele?"
No caso, Diego foi inocente por tolice e por ingenuidade. Na minha opinião, a Copa terminou na sua exclusão intempestiva –e calhorda. De todo modo, em 94, ao menos dois outros jogadores do passado encontraram os seus ocasos em instantes ainda mais terríveis: o italiano Pino Wilson e o inglês Peter Shilton.
Capitão da Lazio de Roma, campeão da Bota em 73/73, Wilson desabou na falência por causa das aposta no baralho e nos cavalos de corrida. Shilton, arqueiro, o atleta que mais vestiu a camisa do "English Team", também se implodiu no jogo de azar.
A vergonha do ano, no entanto, aconteceu aqui mesmo no Brasil, quando o velho dirigente Moacir Ferreira da Silva, presidente do STJD, concedeu um inopinado efeito suspensivo a Antônio Carlos, do Palmeiras, automaticamente suspenso com um vermelho, horas antes da decisão do Brasileiro.
O fato levou um dos vices do tribunal, Rubens Approbato Machado, a se demitir, patético evento ainda à espera de pública denúncia ou de maiores explicações. Mais do que isso, porém, produziu um precedente que pode arruinar o futebol no país. Engulhar não exprime. A palavra é enojar.

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