São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Brasil deixa de ser um elefante desastrado

JOÃO BATISTA NATALI; JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
ENVIADOS ESPECIAIS A BRASÍLIA

O Plano Real "virou a cabeça dos argentinos" e consolidou o Mercosul. Até alí, o Brasil era visto como um elefante desastrado e a possibilidade de associação ao Nafta (EUA, Canadá e México) provocava "excitação" em alguns países.
É o que dizem os dois brasileiros (Winston Fritsch, do Ministério da Fazenda e que, amanhã, volta para a iniciativa privada e o embaixador José Artur Denot Medeiros) que negociaram a integração. A seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - O que muda a partir de amanhã?
Denot Medeiros - Teremos uma Tarifa Externa Comum (TEC) para produtos importados de terceiros e o segundo e definitivo passo para o fim das barreiras alfandegárias entre os quatro países. Temos uma lista de adequação, que derrete as tarifas intra-Mercosul, até zerar em 1999.
– Qual é o impacto do Mercosul na economia brasileira?
Winston Fritsch - O mercado para as empresas brasileiras foi aumentado em quase a metade. E, ao se criar a TEC, o Brasil recebe vantagens competitivas no mercado dos três outros países.
Folha - Quais seriam os setores argentinos, paraguaios e uruguaios beneficiados?
Fritsch - São os agropecuários, mas isso muito esquematicamente. As lições que se tem hoje do comércio é que acabou a divisão rígida entre países produtores de manufatura e outros de produtos primários. O que está havendo agora é um processo de especialização intraindustrial. O que vai acontecer no Mercosul é uma nova estratégia de especialização.
Denot - Essa especialização já está acontecendo. O exemplo clássico é o trigo. Nossa produção, em 1990, era de 6 milhões de toneladas e hoje produzimos 2 milhões, enquanto as exportações da Argentina para o Brasil não chegavam a 2 milhões e hoje estão em 4 milhões. Mas o Brasil está exportando produtos lácteos, queijos e até maça para a Argentina.
Folha - Por que o Mercosul deu certo?
Fritsch - Porque o Brasil havia decidido liberalizar (suas tarifas de importação) unilateralmente.
Denot - Deu certo por duas razões: automaticidade e gradualismo. Os governos não precisavam negociar a cada seis meses a inclusão de um ou outro ítem. As mudanças de ministros não tiveram a mínima importância.
Fritsch - Há alguns números interessantes. O Brasil exportou para o Mercosul, em 1990, US$ 1,8 bilhão. Exportou, em 1994, uns US$ 8 bilhões. É imenso o que isso dá de ganho de eficiência.
Folha - Os negócios consolidaram o Mercosul?
Denot - O Mercosul é um empreendimento comercial, mas não é só isso. A idéia é mais ambiciosa. Uma das razões para o salto qualitativo da zona de livre comércio para a união aduaneira é dar uma vertebração política para a integração. A união aduaneira implica numa intimidade na construção de políticas que a zona de livre comércio não necessita.
Fritsch - A primeira fase foi a de transição para a união aduaneira. Agora é a fase de transição para o mercado comum. A união aduaneira é importante para que, no plano internacional, os países negociem em conjunto com terceiros, como já ocorre com a UE (União Européia).
Folha - Por que o Brasil quis uma união aduaneira?
Fritsch - Foi em grande parte como contrapartida ao encantamento e excitação que a proposta do Nafta provocava. As conversas sobre a extensão do acordo Canadá-EUA ao México tinham na época a coloração de um carimbo oficial de reconhecimento à política mexicana. Era uma espécie de vestibular para você ser aprovado pelo Consenso de Washington. Isso tudo passou. Hoje em dia os países do Mercosul não precisam mais de um selo de qualidade vindo de fora para dentro.
Folha - E o Chile, entrará ou não no Mercosul?
Fritsch - O único problema dos chilenos seria baixar a proteção a produtos primários e elevar para produtos finais. O que, do ponto de vista da economia deles, vai criar alguns problemas. Eles perderiam proteção. Mas isso se pode ajustar. O Chile será membro pleno do Mercosul. A geografia é um condicionante diabólico.
Folha - Por que o setor de autopeças reclama da negociação com os argentinos?
Fritsch - Os empresários estão sendo mercantilistas: acham que se deve liberalizar do outro lado e manter a proteção do teu lado. Os exercícios são de liberalização conjunta. A idéia é não ter nenhuma restricão em nehum setor. Como jabuti não sobe árvore, a tarifa está alta porque alguém botou ela lá. Não está à toa. Está lá porque tem gente ineficiente do outro lado e com poder político.
Folha - Quais foram os critérios que o Brasil adotou para fazer sua lista de exceção?
Fritsch - Nosso critério básico é o seguinte: não encarecer determinados insumos. Tem muitos produtos em que a TEC imporia tarifas mais altas que a que temos atualmente. Quanto às listas de adequação, o critério foi dar tempo para ganhar eficácia, e mesmo assim só em 29 produtos.
Folha - Qual a relação entre o Plano Real e o Mercosul.
Fritsch - O Plano Real ajudou muitíssimo porque virou a cabeça do governo argentino, sinalizou um período de crescimento e estabilização cambial no Brasil. O Mercosul ajuda o Plano Real porque consolida a política comercial. Isso é ótimo. Antes, éramos vistos como um elefante desastrado.
Folha - Daqui a quanto tempo um brasileiro poderá ter um plano de previdência no Uruguai?
Denot - Na próxima geração. E é uma resposta para dar alguma.
Folha – O livre trânsito de recursos vai preceder o livre trânsito de pessoas?
Fritsch – Provavelmente, sim. As negociações, até agora, centraram-se muito na área comercial. Mas vamos precisar avançar em outras áreas. No Câmbio, é provável que tenhamos que criar alguma coisa nos moldes da serpente européia (sistema de câmbio europeu que estabelece uma zona de flutuação rígida entre as moedas): a jibóia latino-americana.
Folha – E os impostos?
Fritsch – A área comercial é como um elefante. Se a gente erra, eles começam a fazer barulho, a ranger. Dá tempo para consertar. Ativo, doutor, é que nem coelho. São milhões que migram. Um erro e uma Bolsa pode desaparecer em um ano. O ideal é ter um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) no destino. Depois, é só uma questão de normalização de alíquotas. Mas não dá para fazer isso antes da nossa discussão interna.

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