São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Argentinos prevêem mais investimentos

ELEONORA GOSMAN
DO "CLARÍN"

O cidadão vai sentir os efeitos do Mercosul de forma indireta. O acordo vai ampliar a oferta de produtos, reduzir seus preços e gerar novos investimentos.
A avaliação é de Alejandro Mayoral, subsecretário de política econômica do Ministério da Economia da Argentina.
Mayoral disse também que, na hipótese de o Brasil desvalorizar o câmbio para incentivar as exportações e ganhar mercados, a medida seria compensada.
Mayoral e Jorge Campbell, secretário de relações internacionais do Ministério das Relações Exteriores, são os dois principais negociadores argentinos do Mercosul.
Eles, porém, não mostraram consenso sobre o papel que será desempenhado pela economia Argentina no Bloco.
Mayoral acredita que haverá uma especialização produtiva (citou a indústria de alimentos e de energia). Campbell, porém, considera que é a competitividade, e não as vantagens comparativas, que vai definir o comércio entre os países da região.
A seguir os principais trechos da entrevista:

Clarín - O que muda no dia 1º de janeiro?
Jorge Campbell - Não mudará muita coisa de imediato para os cidadãos. Mas há quatro anos era difícil de acreditar que chegaríamos a esse dia. Dizia-se que o objetivo era muito ambicioso e que outras tentativas de integração na América Latina já haviam fracassado. Por sorte o processo foi evoluindo paulatina e sistematicamente e as mudanças ocorreram gradualmente.
Clarín - E economicamente?
Campbell - Acreditamos que haverá um aumento dos investimentos tanto no Brasil como na Argentina. 1995 será o ano das privatizações no Brasil, e atrairá investimentos estrangeiros. Mas estamos convencidos de que tudo que for investido no Mercosul será bom para todo o bloco.
Alejandro Mayoral - Não haverá impacto direto do acordo no cotidiano. O impacto será sentido pelas empresas. Com o Mercosul aumentam o comércio e o nível de atividade. Haverá uma maior quantidade de bens disponíveis, seguramente a preços menores, com a redução tarifária e o fim da taxa de estatística (medida adotada anteriormente pela Argentina para tentar reduzir o seu déficit comercial contra o Brasil).
Clarín – Crescem os investimentos?
Mayoral – Podemos apostar também em um crescimento dos investimentos das empresas multinacionais, argentinas e brasileiras. Isto vai gerar mais empregos e melhores salários. Quer dizer, o cidadão verá e sentirá os efeitos do Mercosul de forma indireta.
Clarín – Como se imagina a especialização produtiva da Argentina dentro do Mercosul?
Mayoral – A Argentina deve se converter em um produtor de alimentos industrializados. Quando falo no setor de alimentos industrializados penso também em uma série de setores industriais correlatos como bens de capital, refrigeração, serviços financeiros e seguros, a indústria química. A Argentina será também um exportador de energia.
Campbell - Eu penso que a Argentina não se especializará neste ou naquele setor. Nem o Brasil. O comércio no Mercosul mostra que compramos e vendemos praticamente as mesmas coisas. Isso significa que o que vai se aprofundar é o chamado comércio intra-setorial. Não deve haver uma segmentação segundo vantagens comparativas. Haverá empresas argentinas e brasileiras de um mesmo setor atuando com sucesso. Não vão dominar a cena as chamadas vantagens comparativas, mas sim as competitivas.
Clarín – O Mercosul pode ajudar a reverter o déficit na balança comercial (importações maiores que exportações) Argentina?
Mayoral – O déficit financia o investimento tecnológico. Muitos investimentos são feitos em projetos de produção concebidos para a exportação. Quando crescerem as exportações da Argentina para o Brasil, como resultado destes investimentos, o déficit diminuirá rapidamente.
Clarín – O Mercosul ajuda a consolidar a estabilidade econômica na Argentina?
Mayoral – A base da conversibilidade é o equilíbrio fiscal, o que se pode manter com ou sem o Mercosul. A formação do bloco ajuda o plano em outro sentido: aumenta o comércio e amplia o mercado, favorecendo a especialização e o ganho de escala produtivas.
Clarín - O que ainda está por fazer?
Campbell - Na declaração final dos quatro presidentes do Mercosul há um parágrafo sobre realizações futuras. Em síntese, nada termina aqui, pois esse é apenas o começo. A declaração fala em seguir aprofundando a convergência macroeconômica, em ir em direção da harmonização impositiva e de todas as normas, e em conectar a estrutura elétrica e de transportes. Essa é a agenda, que pretende aprofundar o vínculo. Há também objetivos a longo prazo como o de harmonizar a legislação trabalhista, para que, no futuro, os cidadãos dos quatro países possam trabalhar indistintamente em qualquer um deles.
Clarín – Haverá uma harmonização dos regimes tributários?
Mayoral – O que se tem de harmonizar são os impostos que recaem sobre o comércio, especialmente os indiretos.
Clarín – A diferença das políticas cambiais podem se tornar um assimetria potencial?
Mayoral – Sim. No caso de o Brasil promover uma desvalorização do câmbio com o intuito de ganhar mercado, isto seria compensado. Criamos, para isto, a comissão dos ministros de economia que busca evitar esse tipo de desvalorização. Essa comissão monitora as quatro economias integrantes do Mercosul e o que se passa no resto do mundo e vai propor medidas corretivas para eventuais desequilíbrios.

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