São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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'Dicionário Grove' resume saber musical

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Música não é só uma arte do tempo e dos sons. Em torno dela desenvolveu-se um corpo de conhecimento a que poucos têm acesso. Muitos dos arcanos e da história desse saber estão reunidos no "The New Grove Dictionary of Music and Musicians"' (Londres, 1980), cuja versão concisa acaba de ser editada em português pela Jorge Zahar sob o título de "Dicionário Grove de Música".
Mesmo que com apenas 10.500 verbetes e 1.048 páginas contra as 22.500 verbetes e 20 volumes do original, o "Dicionário Grove" chega como a melhor obra de referência do gênero já publicada em português. É um item essencial.
O "Grove" vem sendo editado pelo crítico e musicólogo inglês Stanley Sadie e um corpo de colaboradores que inclui experts como Paul Grifiths e David Cummings, dois dos principais historiadores atuais da música.
Sadie optou pela condensação da obra original para servir estudantes e melômanos. Os verbetes sobre compositores, verdadeiras monografias de mais de 100 páginas no original (algumas delas publicadas em volumes separados no início da década pela editora gaúcha L&PM), foram resumidos a seus dados básicos. As referências bibliográficas, eliminadas, por pretenderem atingir um público acadêmico.
Detalhe: o "Grove" original custa perto de R$ 2,5 mil e já vem em CD-ROM.
A versão condensada traz mais de mil entradas com títulos de peças musicais, nomes de fabricantes de instrumentos e termos de acústica e música não-ocidental não incluídos no grande "Grove".
A edição brasileira complementa a inglesa com verbetes sobre termos e músicos nacionais. Ela levou um ano para ser realizada. A supervisão ficou a cargo do musicólogo Luiz Paulo Sampaio e do crítico Luiz Paulo Horta, além de treze colaboradores ligados à vida musical do Brasil.
O resultado é um volume crítico e analítico de boa qualidade, com observações e terminologia adequadas sobre música, músicos e estilos de época.
Não há nenhum tipo de restrição de registro. Convivem na obra desde as definições de sinfonia e quartetos até as de rock e jazz.
O dimensionamento dos nomes também é correto. O verbete dedicado ao compositor norte-americano de vanguarda John Cage (1912-1992), por exemplo, tem tamanho bem maior do que o de seu êmulo italiano Giacinto Scelsi (1905-1988). Mas é menor que o do artista romântico alemão Robert Schumann (1810-1856).
Uma curiosidade está na hierarquização por tamanho de verbete de três dos grandes mestres da música. O austríaco Wolfgang ’madeus Mozart (1756-1791) bateu os alemães Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Beethoven (1770-1827). Índice da popularidade recente de Amadeus.
O dicionário, no entanto, não endeusa o compositor. Eis uma passagem do verbete: "Sempre ganhou, pelos padrões dos músicos, uma boa renda, e tinha uma carruagem e criados; porém, gastando muito e gerindo inadequadamente os seus negócios, passou por apertos financeiros e precisou tomar dinheiro emprestado".
Sobre Beethoven, outra observação pitoresca: "Ao contrário dos mestres da geração anterior, nunca foi um fornecedor de música para a nobreza: ainda em vida, conheceu a época –na verdade, ajudou a criá-la– do artista como herói e patrimônio de toda a humanidade".
O nacional Carlos Gomes (1830-1896) ganha tratamento merecido. "Há quem procure enxergar um criptonacionalismo nos seus temas e na sua facilidade melódica", reza o verbete. "O certo é que ele manejou com desenvoltura a linguagem característica de sua época –a da ópera– e assim projetou, pela primeira vez, o nome do Brasil no panorama internacional da música".
Mas o pequeno "Grove" já está necessitando de revisão. O verbete de Tom Jobim (1927-1994), além de não trazer a data da morte do compositor, é muito pequeno para o maestro e não traz uma análise completa da obra. Define assim as últimas coletâneas do compositor, como "Matita Perê": "Revelam uma amplitude maior de linguagem, com passagens de caráter vilalobiano". Ora, isso é simplificar a linguagem do criador da bossa nova.
Para quem quer conhecer um pouco sobre linguagem musical, vale ir às definições de acorde ("o soar simultâneo de duas ou mais notas"), sonata ("uma peça musical, quase sempre instrumental e geralmente em vários movimentos, para um solista ou pequeno conjunto") ou modulação ("movimento que leva de uma tonalidade a outra num processo musical contínuo"). Ali estão concentrados, em poucas palavras, os segredos da música.

Título: Dicionário Grove de Música (Edição Concisa)
Lançamento: Jorge Zahar, 1.048 págs
Quanto: R$ 45,00

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