São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Água na champanhe

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Foi um ano melhor do que os anteriores, certo? O tetra no futebol, as meninas no basquete, a economia estabilizada (se continua ou não estabilizada é um problema de 1995 e não de 1994).
É verdade que a mortalidade infantil aumentou em algumas regiões e que cresce em número e diminui em tamanho a garotada que fica pelas esquinas mendigando. Mas, afinal, são apenas seres humanos e ainda por cima pobres.
Não têm o direito de estragar o réveillon de um ano em que a contabilidade pública deu "lucro" de R$ 1 bilhão e as reservas do país atingiram a altura de US$ 42 bilhões, certo?
É também verdade que o número de homicídios em São Paulo aumentou 35% em relação a 1993. Mas, que diabo, também nesse capítulo, são pobres os que mais morrem, com essa horrível tendência a enfeiar as estatísticas nacionais, justamente no ano em que os ricos e a classe média podem importar até armas pelo Correio, entre outras bugigangas.
É igualmente verdade que nenhum dos problemas estruturais do país (dívida social, educação, saúde e um montão de etc.) foi sequer arranhado. Mas o presidente Itamar Franco deixa o cargo com 41% de "ótimo/bom", curiosamente a mesma porcentagem de superfaturamento nos contratos do DNER do governo Itamar Franco.
É ainda verdade que Fernando Collor, o chefe, foi para Aspen, em vez de ir para a cadeia. Mas PC Farias, o subordinado, cumpre pena de sete anos em Maceió. É uma demonstração de que a Justiça brasileira, em 1994, se não atingiu ainda o ideal de ser cega, conseguiu ao menos ser paralítica.
Não custa lembrar também que já são 500 as empresas brasileiras com o certificado ISO-9000, atestado de qualidade. Que importa, diante dessa modernidade deslumbrante, que o total de salários pagos no país fosse, em agosto, últimos números disponíveis, 8,7% inferior ao de 1990, ano em que começou o período administrativo a se encerrar hoje?
Enfim, feche os olhos, desligue a consciência da tomada e tenha um feliz ano novo.

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