São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Drogas e hipocrisia

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – É um nítido exemplo da hipocrisia nacional. Numa reação à proposta de Nelson Jobim de descriminar as drogas, o delegado paulista Alberto Corazza, do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos, prometeu: "Vou lutar com todas as minhas forças para isso não se tornar realidade". Seu argumento: "A cocaína e a maconha só não são problemas maiores porque são proibidas". Verdade?
Segundo ele, haveria 18 milhões de alcoólatras "porque o álcool está à disposição de todos". Suponha-se que essa afirmação seja mesmo verdadeira e sirva como argumento para se considerar o consumidor de drogas um criminoso. Por que, então, não se proíbe a bebida ou, no mínimo, sua publicidade?
Vou um pouco mais longe. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 2,5 milhões de pessoas morrem por ano no mundo por doenças relacionadas ao cigarro. Será que maconha é mais perigosa do que cigarro?
Vamos ao óbvio: o ideal é que não existisse nenhum viciado. E, aí, todos concordam. Estamos, na verdade, à procura do mal menor. Os Estados Unidos decidiram proibir o consumo de bebidas (Lei Seca) e o resultado é conhecido: nunca o país conheceu tamanha disseminação de violência nas cidades.
Hoje, nos Estados Unidos, um adolescente é assassinado a cada três horas; no Brasil, é a cada seis horas. A suspeita é de que a maioria dessas mortes esteja vinculada ao tráfico. Naquele país, existem cerca de 500 mil jovens presos. Apesar disso, os números só indicam aumento do consumo das drogas pesadas.
A melhor saída (e única eficaz) é a educação. O consumo de cigarro no Brasil está caindo. Assim como cai em países de Primeiro Mundo o consumo de alimentos capazes de atacar o coração.
Se o indivíduo estiver informado das consequências do vício, tiver chance de se recuperar, mas não aceitar ajuda, é uma decisão individual –e, por mais que doa, deve ser respeitada.
PS – A propósito, fiquei sabendo que os mais importantes dirigentes da Souza Cruz não fumam. Claro: eles conhecem muito bem o que estão produzindo.

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