São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Sinais da floresta

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Os jornais de São Paulo, curiosamente, não divulgaram a lista dos generosos doadores (quase R$ 2 milhões) da campanha do senador eleito José Serra. Curiosamente também, verificamos que esses doadores são quase os mesmos que abasteceram as burras de PC Farias e elegeram Collor.
Num velho filme de Bob Hope e Bing Crosby, os dois estavam perdidos na selva infestada de índios. Do alto de uma montanha, eles vêem aqueles sinais redondinhos de fumaça, alfabeto particular de certas tribos. Bob Hope informa a seu apavorado companheiro: "Não sei o que são aqueles sinais, mas eles devem significar alguma coisa!"
Nenhuma suspeita contra o senador em si, nem contra o futuro ministro. Sua biografia e suas intenções são das melhores. O mesmo não acontece com a biografia e as intenções de seus doadores, pessoas jurídicas que comparecem com exasperante monotonia em tudo o que é lista de doação eleitoral.
O relatório entregue esta semana ao presidente Itamar Franco fala em corrupção aos milhões. Mas não aparece o nome de nenhum corrupto. Aos poucos, o verbo "corromper" ficou impessoal, como o verbo "chover". Ninguém diz: "Eu chovo, tu choves, ele chove". Aprendi isso no curso primário.
O que jamais consegui aprender foi como funciona o complicado mecanismo dessas doações. Como certas células do organismo, em determinado ponto elas extrapolam e se transformam de benignas em malignas. Está formado o câncer: uma CPI procede à biópsia e um determinado PC vai para a cadeia.
O organismo (a lei fala em "quadrilha") está salvo. No caso brasileiro nunca houve metástases. Os agentes cancerígenos continuam em atividade, mudam de cobaias –que por definição são descartáveis. Eu já devia ter idade para entender essas coisas, mas continuo, como Bob Hope e Bing Crosby, sem compreender os sinais da floresta.

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