São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 1994
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Cubano é o maior fenômeno independente

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

Erramos: 18/02/94
A informação de que o filme "Morango e Chocolate" é o virtual vencedor das seleções paralelas do Festival de Berlim, está errada. O filme participa da mostra competitiva do festival.
O maior fenômeno de cinema independente no mercado do Festival de Berlim este ano chama-se "Morango e Chocolate" (Fresa y Chocolate), dirigido pelo cubano Tomas Gutierrez Alea em parceria com Juan Carlos Tabio. Alea era um irriquieto expoente do cinema novo cubano nos anos 60. Em 68 realizou "Memórias do Subdesenvolvimento", um dos poucos clássicos do cinema latino-americano. O seu
filme mais visto no Brasil foi "A Última Ceia", de 76. De lá para cá Alea caiu no ostracismo e não se adaptou ao modelo soviético de cinema real-socialista. Renascido
dessas cinzas, aos 66 anos, Alea fez agora o filme.
Há duas vertentes muito claras nas seleções paralelas do Festival de Berlim, fora os filmes da competição onde o de Alea desponta como virtual "campeão". Isto é facilmente observável na seleção do Fórum do Cinema Jovem: ou são documentários radicalmente inquisidores ou são experiências divertidas de anarquia como as comédias de Hong Kong que subvertem a tradição dos filmes de kung fu ou os dois novos "road movies" musicais do finlandês Aki Kaurismaki com os seus personagens Leningrad Cowboys.
O caráter dissimulado alemão é arrasado no documentário francês "Dans la Valée de la Wupper" (No Vale Wupper), que tenta reconstituir a anatomia de um crime
praticado por dois skinheads em novembro de 92 contra um suposto judeu após uma discussão. O suposto judeu foi queimado ainda vivo e abandonado na fronteira com
a Holanda. A paranóia renasce com o neonazismo. A sua melhor expressão aparece num novo filme alemão dividido em cinco episódios chamado "Neues Deutschland" (Nova Alemanha). O primeiro episódio, o melhor de todos, é um docudrama interpretado pelo seu próprio diretor Dani Levy (de "Eu Estive em Marte"), cineasta
acontecendo à sua volta. Levy vive no filme uma fobia persecutória como nos tempos da Segunda Guerra Mundial.
Mais filmes do Fórum investem na paranóia. Com o documentário "Der Reichseinsatz - Zwangsarbeiter in Deutschland" (Trabalho Forçado no Terceiro Reich), de Wollgang Bergmann, lembra-se que 30% da força de trabalho durante o nazismo era de escravos, prisioneiros de guerra e recrutas engajados dos países vizinhos, num total de oito milhões de estrangeiros obrigados a trabalhar na Alemanha. Também do Fórum sai um dos melhores filmes já feitos sobre a guerra civil irlandesa, "Hig Boot Benny", de Joe Comerford. Na fronteira com a Irlanda do Norte a paisagem das falésias parece implacável com o destino de um casal de velhos professores. A sua tentativa de seduzir as crianças da região para as vantagens de um mundo mais liberal também termina em tragédia.
Nesta sexta o Fórum de Berlim começa a exibir as maratônicas sete horas e meia de "Satantango" (O Tango de Satanás), do húngaro Bela Tarr. Felizmente deu para ver
esta obra-prima com calma há uma semana atrás em Budapeste. É uma pena o filme ter sido guardado em Berlim para os últimos dias do festival. Ninguém se diz disposto
aqui a encarar toda a projeção. Como em "Rashomon", de Kurosawa, a mesma história é narrada de distintos pontos de vista. O que parece ser uma história banal e corriqueira -o plano de um grupo de retirantes buscar vida melhor em outra cidade– ganha a densidade de clássico da literatura.
Mais fácil e mais persuasivo, com a dignidade dos seus quase 80 anos de idade, o italiano Mario Monicelli trouxe ontem à competição de Berlim o melhor exemplo
velho "Exército de Bracaleone", de 66, com uma trupe mambembe que viaja pelos escombros da Itália do pós-guerra engajando pelo caminho tipos que em filmes de outros tempos acabariam sentenciados à morte: um soldado negro americano e desertor, uma colaboracionista do nazismo, uma traidora do socialismo e uma porção de vadios dos tipos que fariam figuração no cinema neo-realista. Neste filme, finalmente, todos se perdoam, ninguém se mata ou guarda rancores.

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