São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 1994
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O vilão errado

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) sobre a erosão dos salários no período 90/92 demonstram duas coisas que deveriam ser óbvias, embora apenas uma delas seja tratada como tal.
Demonstram, em primeiro lugar, que o maior inimigo dos salários é uma inflação elevada. Essa é a obviedade com a qual todos estão de acordo, a ponto de ser utilizada, com frequência, como tópico da retórica oficial, na tentativa de vender à opinião pública o Plano FHC.
A outra obviedade, esta em geral escamoteada, é a de que o salário não é o vilão da história. Toda vez que se fala em aumentar salários, em abreviar o período de reajustes, em melhorar o salário mínimo (o real, não o nominal), há uma gritaria infernal. "É inflacionário", dizem as vozes do status quo, com um alarido tal que encobre qualquer outra voz dissidente.
Ora, se houve uma erosão salarial de 45% entre 90 e 92 e, não obstante, a inflação continuou galopando solta, parece lógico concluir-se que há outros vilões nessa história e eles raramente são apontados.
Dessa constatação decorre outra, igualmente óbvia, mas que fica sepultada pela ânsia (legítima) de se derrubar a inflação: qualquer plano econômico digno desse nome tem que incorporar, como ponto essencial, o início do resgate dos miseráveis. É evidente que ninguém, em seu juízo perfeito, imagina que se possa resolver o problema da miséria em uma ou mesmo duas gestões presidenciais.
Mas também não se pode aceitar a eterna postergação, a eterna pregação do tipo "primeiro crescer para depois distribuir" ou "primeiro derrubar a inflação para depois melhorar os salários". As três coisas -crescer, estabilizar e melhorar o infame cenário social- têm que ser concomitantes.
Claro que é difícil. Mas compartimentar as coisas é covardia. Arrochar os salários é apenas o mais fácil de se fazer porque o assalariado é o elo mais fraco da cadeia política.

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