São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994 |
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A exótica fusão de teorias de E. Lévinas ALBERTO ALONSO MUNOZ ALBERTO ALONSO MUNÕZ
Em "A Significação e o Sentido", artigo publicado em 1964, Lévinas pensa a relação eu/outro como a única estrutura essencial e universal que caracterizaria a experiência humana. A diferença dos dados sobre coisas inertes oferecidos pelos órgãos da nossa percepção, que podem exprimir sentidos diferentes de acordo com as diferenças culturais, históricas ou mesmo psicológicas, a experiência do outro – de um ser que aparece como dotado de subjetividade, ou seja, da existência de um outro eu além de mim – é sempre a mesma, qualquer que seja a cultura considerada. A experiência do outro ganha assim o estatuto de experiência universal, que permitiria escapar do relativismo e abrir espaço para uma ética alicerçada na idéia da responsabilidade recíproca de todos os "seres dotados de consciência". Esse sentido unívoco da experiência – um sentido sempre o mesmo, para além das diferenças históricas e culturais – que a relação com o outro permitiria vislumbrar, abrirá as portas também – e de maneira bastante previsível – para sua teologia: o mundo agora passa a ser visto como expressão da existência de um ser absoluto, da mesma forma como o rosto humano exprime para mim a existência de uma subjetividade alheia. O mundo agora nada mais é senão o "vestígio" da ação ou da presença passada de Deus. Esta mesma "ética de responsabilidade" é o que permitirá a critíca, esboçada nos ensaios restantes ("Humanismo e Anarquia" publicado em 1968, e "Sem Identidade", de 1970), às consequências nefastas do advento das ciências humanas, ou, nas palavras de Lévinas, ao "fim da metafísica, cujo tema é concomitante com aquele do fim do humanismo". Desde que a figura do homem passou a ser vista como o produto das determinações sociais ou psíquicas que o definem, a idéia de uma plena "consciência de si" se dissolve, e com ela, aparentemente, a possibilidade de estabelecer uma ética. Para Lévinas, é apenas essa mesma ética da responsabilidade, construída a partir da experiência do outro, que poderá ressuscitar a figura plena do humanismo que as ciências humanas dissolveram. A idéia de uma consciência que ultrapassa a diferença entre atividade e passividade nos lançará próximos à definição sartreana da subjetividade como pura e absoluta liberdade, permitindo inserir essa ética, agora, nos quadros de uma ontologia. Sabe-se que Foucault havia recusado a possibilidade de forjar uma ética em plena época das ciências humanas, época em que vigora o mais absoluto relativismo. Sabe-se também que o projeto de formular uma ética nunca foi estranho à fenomenologia, a que Lévinas expressamente se vincula. Resta saber se o projeto foi realizado, ou melhor, se é realizável e, mais ainda, se o projeto faz sentido. Seja como for, que o leitor fique atento àquelas "mudanças, às vezes, imperceptíveis", de que falava Hume no "Tratado da Natureza Humana", presentes na linguagem de todos os textos sobre moral, nos quais os autores passam sempre, subitamente, de proposições em que dizem que algo "é ou não é" para proposições em que afirmam que "algo deve ou não deve ser". Ato malandro de todo aquele que quer constituir uma ética – e, sobretudo, malandragem frequente daqueles, que atualmente, pretendem que ela possa substituir a velha lógica das relações de poder. ALBERTO ALONSO MUNOZ é doutorando em filosofia pela USP, bolsista do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPA). Texto Anterior: Retratos de Otto Lara Resende Próximo Texto: Burke investiga o sublime Índice |
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