São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Guerra desafia a 'nova ordem'

RENATO MARTINS
DA REDAÇÃO

A explosão que deixou 68 civis mortos e 200 feridos num mercado de Sarajevo, no dia 5 de fevereiro, foi determinante para que a Otan lançasse, quatro dias depois, o ultimato para que os sérvios-bósnios eliminassem até hoje à noite a ameaça representada por sua artilharia à capital bósnia.
Apesar de um comitê de investigadores da ONU ter concluído, na última quarta-feira, que não há como provar que a artilharia sérvia causou aquelas mortes, há poucas dúvidas quanto a isso no Ocidente. Os sérvios, afinal, mantêm Sarajevo sitiada desde abril de 1992, logo depois de boicotarem um plebiscito em que croatas e muçulmanos decidiram que a Bósnia deveria se separar da ex-Iugoslávia.
Há também a extensa lista de atrocidades atribuídas aos sérvios nesses quase dois anos de guerra, em nome da "limpeza étnica" e da construção da "Grande Sérvia". Entidades como a Cruz Vermelha e o Alto Comissariado da ONU para Refugiados ressalvam que croatas e muçulmanos também têm cometido atrocidades, mas as provas disponíveis apontam os sérvios como culpados pela maior parte das deportações em massa, execuções sumárias, estupros em série de prisioneiras, internação de civis em campos de concentração e outros crimes.
A ONU colocou as primeiras forças de paz na Bósnia em agosto de 1992, mesma ocasião em que se confirmavam as notícias sobre os campos de concentração. Na época o Ocidente apostava num acordo de paz que preservasse a integridade da Bósnia como Estado –o chamado plano Vance-Owen, patrocinado pela ONU e pela Comunidade Européia.
Foi por ocasião de um plebiscito entre os sérvios sobre esse plano, em abril de 1993, que o Ocidente fez suas primeiras ameaças de intervenção militar na forma de ataques aéreos. Apoiado por croatas e muçulmanos, o plano acabou rejeitado no plebiscito sérvio e depois não se falou mais nele.
Em seguida a ONU impôs sanções econômicas à Iugoslávia (Sérvia e Montenegro) por seu apoio militar aos sérvios-bósnios. Também estabeleceu uma "zona de exclusão aérea" na Bósnia, com patrulhas constantes, para impedir que a Força Aérea iugoslava continuasse a atacar cidades muçulmanas. Nenhum avião sérvio, porém, foi derrubado até agora. Em agosto, no auge da ofensiva sérvia contra cidades muçulmanas sitiadas perto da fronteira servo-bósnia, a ONU declarou esses locais como "áreas protegidas" e autorizou a Otan a atacar os sitiantes. Nenhum ataque foi lançado.
Em todas essas ocasiões, as ameaças resultaram da indignação da opinião pública ocidental frente às atrocidades –no fundo, das expectativas geradas em torno da "nova ordem mundial" que supostamente nasceu com o fim da Guerra Fria. Em todas elas os sérvios recuaram momentaneamente, sem que a correlação de forças mudasse. A "nova ordem" não resiste aos fatos.

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