São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Teatro resiste a bombardeios

EMMA DALY
DO "THE INDEPENDENT", EM SARAJEVO

Mirza Halilovic voltou a Sarajevo depois de uma temporada no Teatro Nacional de Mostar (centro da Bósnia), no dia 4 de abril de 1992, dois dias antes da primeira granada sérvia cair sobre sua cidade. 22 meses mais tarde, ele está trabalhando na peça "Tambores de Seda", uma obra de teatro Noh na qual ele e seus colegas se apresentam usando máscaras japonesas confeccionadas –ele não sabe como– em Sarajevo.
A Companhia do Festival Internacional de Cinema e Teatro já apresentou o espetáculo 18 vezes para cerca de 800 pessoas em centros comunitários, cozinhas públicas e hospitais da cidade. A peça é apresentada toda vez que a luz elétrica permite, o que no momento está acontecendo com relativa frequência. "Estamos dando um jeito. Vivemos uma fase de bom humor", disse o simpático Halilovic, que fala inglês fluentemente.
O jovem Halilovic também é assistente do diretor Haris Pasovic, que retornou a Sarajevo na véspera do Ano Novo de 1992, com a missão de reanimar a vida cultural da cidade. Desde então, o grupo trabalhou com Susan Sontag em "Esperando Godot" e organizou um festival de cinema, no qual as pessoas atravessavam a rua apressadas, correndo o risco de serem alvejadas por um franco-atirador, para aproveitar a chance de assistir um dos 115 filmes exibidos.
Um dia em que Halilovic ia ao trabalho a pé, ele ouviu uma granada caindo no ponto pelo qual acabara de passar. "Eu já não me preocupo com mais nada", disse. "Estamos apenas vivendo nossas vidas, como fazíamos antes".
Sua colega, Vanessa Glodjo, é estudante de teatro –"uma atriz muito talentosa", segundo Pasovic– e mora perto da linha de frente. Sua casa foi destruída, ela foi ferida no Ano Novo, mas ainda vai todos os dias a pé assistir as aulas ou ensaios.
Esta recusa em desistir parece ser típica de Sarajevo. "Eu penso nos jovens que vinham às audições na Academia dos Atores, durante os piores momentos do bombardeio. É nesses momentos que enxergamos o futuro da cidade. É surreal. E mesmo que não haja futuro, ainda existe alguma coisa aqui que podemos amar", disse o diretor Pasovic.
O futuro é um assunto muito presente no pensamento de todos eles. Embora a situação esteja melhor do que há muito tempo, desde o início do cessar-fogo atual, os atores acham que a longo prazo o ultimato da Otan não lhes oferece motivos para ter muitas esperanças. Eles têm medo de se permitirem esperanças.
"As pessoas já aprenderam a evitar os desapontamentos. Nossas justas expectativas já foram frustradas muitas vezes. E especialmente agora que a situação está tão incerta –os mais pessimistas dizem que eles (Otan) vão nos bombardear", acrescentou Pasovic, com uma risada. Um mapa-múndi ocupa uma das paredes de seu escritório, "para nos lembrar de que vivemos neste planeta".

Tradução de Clara Allain

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