São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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Plano de Fernando Henrique é superior aos anteriores

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Plano FHC, cuja segunda fase está sendo lançada, tem amplas possibilidades de êxito. Se o compararmos com os planos de estabilização anteriores, este é claramente um plano superior na sua concepção, porque enfrenta de forma coerente as duas causas fundamentais da inflação: a inércia inflacionária e a crise fiscal. Por outro lado, embora tenha contra si o fato de estarmos em um ano eleitoral, conta com um ambiente político mais favorável do que os planos anteriores, na medida em que a sociedade brasileira hoje tem uma noção muito mais clara do que tinha há alguns anos atrás da gravidade da crise, da necessidade do ajuste fiscal e da inviabilidade de conversões de salários ou preços pelo pico.
Esta última mudança, entretanto, ainda não foi completa. Hoje os líderes sindicais sabem que a conversão dos salários deve ser pela média. Abandonaram a idéia de que o pico é "o verdadeiro" salário e que qualquer conversão abaixo do pico significa perda para os trabalhadores. Por motivos políticos, entretanto, conservam uma retórica populista, que poderá ser fatal para o Plano FHC. Será a conversão do salário mínimo o teste fundamental do plano. Se o Congresso aprovar a conversão dos salários pela média (em torno de US$ 65), o plano terá amplas condições de êxito. Caso se decida por uma conversão por um valor maior, os demais salários seguirão o exemplo, os custos das empresas aumentarão, estas repassarão esses custos para preços e a inflação residual será elevada. O plano fracassará. Estaremos condenados a mais alguns anos de inflação e estagnação.
O Plano FHC é o 14º plano de estabilização implementado no Brasil desde que a atual crise foi desencadeada em 1979. Os planos anteriores fracassaram, ou porque não tiveram apoio político e não puderam ser completados, ou porque foram incompetentes, não tendo levado em conta adequadamente a inércia inflacionária (o caráter formal e informalmente indexada da economia) e a necessidade de ajuste fiscal. O Plano Delfim 3 foi um plano ortodoxo, patrocinado pelo FMI, e baseado no ajuste fiscal. Fracassou porque ignorou a inércia inflacionária. O Plano Cruzado foi um plano heterodoxo, que deu conta competentemente da inércia, fazendo as conversões dos preços pela média, mas ignorou o ajuste fiscal e concedeu um aumento real de salários, o que inviabilizou o plano. O Plano Collor foi um plano ortodoxo, embora tenha incluído um rápido congelamento. Sua estratégia era fundamentalmente monetária. Fracassou porque ignorou a inércia inflacionária ao não acompanhar o congelamento por fórmulas de conversão ("tablitas") e ao não levar adiante a estratégia de política de rendas, essencial quando há inércia, no momento em que uma inflação residual de 3% surpreendeu seus autores.
Na forma de enfrentar a inércia, entretanto, o Plano FHC também inova. Quando foi desenvolvida a teoria da inflação inercial, no início dos anos 80, Nakano, eu e Chico Lopes propusemos, como forma de enfrentá-la, o congelamento acompanhado de tabelas de conversão no momento da reforma monetária. André Lara Resende e Pérsio Arida propuseram uma altenativa: um processo de convivência de duas moedas durante um certo período, para permitir as conversões antes da reforma monetária. Esta, em qualquer das duas hipóteses, deveria incluir uma âncora cambial, ou seja, a fixação da taxa de câmbio. Com congelamento, a convertibilidade em relação ao dólar pode ser dispensada; sem ele, é necessária.
Agora, no Plano FHC, adota-se a alternativa da dupla moeda, com a diferença que a nova moeda, durante uma certa fase, não é realmente uma moeda, mas um índice-moeda (a Unidade Real de Valor), que permitirá as necessárias conversões (que neutralizam a inércia, ou seja os aumentos defasados de preços), mas não tem poder liberatório.
Esta é uma alternativa mais complexa. Por isso existem ainda economistas confusos dizendo que o Plano FHC ainda não está definido, quando já o está. Só não está plenamente definido porque é um plano que possui três fases. A primeira e a segunda estão claras. A terceira só estará dentro de aproximadamente dois meses, quando for implementada a reforma monetária. Certamente, porém, conterá a convertibilidade da nova moeda para o dólar.
Apesar da alta probabilidade de êxito do Plano FHC, desde que a conversão do salário mínimo seja correta, há uma grande descrença na sociedade. Descrença que deriva dos fracassos anteriores, da complexidade do plano e do fato de que ete só apresentará resultados concretos no momento da reforma monetária. Enquanto isto a inflação não cairá, pelo contrário, sofrerá alguma aceleração. No momento da reforma, entretanto, a inflação inercial desaparecerá na nova moeda. E se a inflação residual for pequena, como se espera, será possível a médio prazo consolidar a estabilização.

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