São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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Acusado pelo que não é

LUÍS NASSIF

O principal pecado do Plano FHC é ser um plano chinfrim, que não propõe reformas de fundo, não mexe com os fatores que interferem diretamente com a produção, não tem nenhum enfoque desenvolvimentista, tem conteúdo eleitoral e se constitui em uma ameaça a modernização do país.
É um plano medroso, que só vira ameaça por embolar as discussões e a agenda do Congresso em pleno processo da revisão constitucional. E por dispersar esforços quando os ecos da CPI do Orçamento estimulavam uma série de iniciativas visando a reorganização e a despolitização do Estado.
Esta é sua culpa objetiva. Mesmo sendo insignificante, o FHC conseguiu criar barafunda tão notável, uma polêmica com tão pouco embasamento técnico, que está sendo bombardeado de todo lado justamente pelo que ele não é.
Para que a discussão política não se imponha sobre as questões técnicas, é bom que não se misturem críticas consistentes com críticas sem embasamento técnico.
Mito 1: salários.
Não há nenhuma base técnica para sustentar que a conversão pela média provocará arrocho.
Com autorização ou não do órgão, mas com seu beneplácito, está havendo manipulação grosseira dos estudos técnicos do Dieese. Na época do Cruzado ocorreu discussão semelhante. Em cima de bases frágeis, o Dieese –na ocasião dirigido pelo atual ministro do Trabalho, Walter Barelli– levantou de maneira dramática a tese do arrocho –que foram convertidos por 8% acima da média.
Na ocasião, este colunista manteve polêmica técnica desgastante com Barelli e o Dieese, defendendo a tese de que haveria grande ganho para os salários. A prova do pudim veio pouco depois: não só não ocorreu a recessão prevista pelo Dieese, como a economia experimentou não um mero aumento de demanda, mas a maior explosão de consumo da história. E ainda tive que passar por inimigo da classe trabalhadora.
Não há nenhuma base técnica para sustentar que o plano tem caráter recessivo.
A imprensa tem demonstrado sucessivamente dificuldades em não só tratar com números, como com a própria noção de grandeza.
O plano tem um caráter expansionista. Isto é, induz a um aumento das compras de pessoas físicas e empresas –pela instituição de uma moeda forte, sem arrocho salarial e pela redução das taxas nominais de juros.
Hoje em dia, o nível de endividamento de empresas e famílias é pequeno. Qualquer retomada de financiamento provocará expansão nas compras e o plano –posto que é chinfrim– não previu nenhuma medida de estímulo à oferta.
Se se aumenta a oferta e não se aumenta proporcionalmente a demanda haverá uma inevitável pressão sobre os preços. Por isso, vai se utilizar a política de juros para inibir os financiamentos e impedir uma explosão da demanda. Impedir explosão de demanda é muito diferente do que jogar a economia numa recessão profunda.
Não há nenhuma informação objetiva, nem raciocínio consistente que permita fundamentar essas teses terroristas. É pura forçada de barra.
O Dieese racional
Em entrevista à repórter Denise Neumann, no "Jornal do Brasil" deste domingo, o diretor técnico do Dieese, Sérgio Mendonça, conseguiu preservar o lado técnico das análises. Mas com tais contorcionismos para falar de eventuais perdas de salário, que demonstra a dificuldade em ser técnico, em um órgão de quem os financiadores exigem posições políticas.
Por sua análise, todas as perdas objetivas com a conversão limitam-se à escolha dos últimos quatro meses (quando ocorreu aceleração inflacionária) para o cálculo da média salarial. Está correto, mas não é significativa.
Todas as demais perdas com a conversão, mencionadas por ele, são meramente hipotéticas. Haverá perda "se" o governo não incorporar a inflação de fevereiro no reajuste da URV de março e "se" a equipe pretender manipular a URV nessa fase de transição –hipóteses jamais cogitadas.
Mendonça constata o óbvio: começar a conversão pelos salários e benefícios da Previdência é uma forma de defendê-los, não de penalizá-los. Termina admitindo o que o Dieese jamais admitiu na época: os salários ganharam com a conversão para o Cruzado.

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