São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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Robert Cray esquece pop e volta ao blues

HÉLIO GOMES
DA REDAÇÃO

Robert Cray resolveu resgatar o melhor de seu passado. "Shame + a Sin", sétimo álbum do guitarrista, retoma em parte o caminho aberto no início de sua carreira, sobretudo no inspirado "Bad Influence" –seu segundo disco, único ainda não lançado no Brasil. A mistura venenosa de blues urbano e soul forjada pelo músico volta à tona depois de ser deixada de lado em suas suspeitas incursões pelo pop fácil.
Cray sabe muito bem quais são os ingredientes necessários para não deixar a mistura desandar. O casamento dos timbres de sua voz e da Fender Stratocaster que o acompanha desde 1980 –ano do primeiro disco, "Who's Been Talking"– é infálivel. Para completar a receita basta adicionar o molho dos metais da dupla Miami Horns, formada pelo trompetista Mark Pender e o saxofonista Edward Manion. Cray aproveitou e reformulou sua banda, trocando o baixista Richard Cousins, seu ex-parceiro, por Karl Sevareid.
"Shame + a Sin" é aberto por "1040 Blues", um bem-humorado protesto do músico contra a carga de impostos cobrados pelo governo norte-americano. Cray suja a voz para dizer que até mesmo pensou em deixar seu país. A guitarra do bluesman pontua a canção, alternando lamentos agudos e ataques poderosos. A canção é um atestado do talento de Cray ao tocar rhythm'n'blues. Talvez, o maior mérito do disco seja exatamente esse, a redescoberta do que há de melhor em sua música. O único –e pequeno– escorregão é a balada "I Shiver", onde o guitarrista acaba quase caindo em popismos desnecessários.
Cray ainda conta com a furiosa guitarra de Albert Collins na regravação de "You're Gonna Need Me", blues em tom menor do mestre Albert King. A música –uma das últimas gravações de Collins, morto em dezembro do ano passado– mostra pela enésima vez todo o sentimento com que o guitarrista, que era chamado de "Iceman", tocava seus blues.
As baladas típicas dos soulmen também marcam presença em "Shame + a Sin". Os dois maiores exemplos são "Leave Well Enough Alone" e a melancólica "Up and Down", que fecha o disco. A primeira traz um dos mais belos solos de Cray, onde sua técnica e seu feeling encontram-se na medida certa. O soul volta a aparecer na deliciosa "Stay Go", uma canção sobre típicos dilemas de fim de caso.
Robert Cray volta com um disco correto, onde acaba se redimindo, talvez sem saber, das tolices que pode ter cometido. Com a inevitável reciclagem do cenário do blues, já estava na hora de Cray descobrir qual é o seu verdadeiro lugar.

Título: Shame + a Sin
Artista: Robert Cray
Músicos: Albert Collins, Kevin Hayes, Jim Pugh, Karl Sevareid, Edward Manion e Mark Pender
Lançamento: Polygram
Preço: CR$ 7.000 (em média)

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