São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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Estudo analisa discriminação contra negros nas escolas

DA REPORTAGEM LOCAL

A escola pode ser um meio de ascensão social. Mas no caso de etnias marginalizadas -negros, por exemplo-, essa ascensão é "permitida" de tal modo que ela sirva à manutenção do sistema de discriminação. A tese é de Irene Maria Barbosa em seu doutoramento "Enfrentando Preconceitos: um estudo da escola como estratégia de superação das desigualdades".
Irene mostra que no percurso da ascensão, o indivíduo discriminado tem que romper a "trajetória modal", a trajetória que a sociedade lhe destina e espera que seja cumprida. O "desvio" das expectativas socialmente aceitas faz com que este indivíduo seja discriminado. Isto deve ser contornado através de estratégias de reconversão -isto é, a transferência de capital cultural, acumulado na escola, em capital econômico e/ou prestígio.
A princípio, o trabalho de Irene seria um censo da população negra nas escolas de Campinas e uma análise de como elas lidavam a discriminação. As escolas, no entanto, dificultaram ou mesmo impediram o acesso da pesquisadora às crianças negras com a alegação de que o trabalho criaria "problemas e afetaria a sensibilidade" desses estudantes.
Numa consulta aos arquivos do Colégio Culto à Ciência, Irene descobriu o caso que mudaria o rumo do trabalho -a história do professor Antônio Cesarino Jr. Mestiço, ensinava história no colégio e viria a ser professor das faculdades de direito e economia da Universidade de São Paulo.
O trisavô de Cesarino era um tropeiro que chegou a Campinas por volta de 1820. Seu filho fundou uma escola na cidade. Mesmo com recursos escassos, a ligação tradicional da família à educação se estendeu até Cesarino. Seu pai era inspetor do Culto à Ciência, colégio de elite da cidade. Durante todo o curso foi primeiro aluno da escola da qual acabou professor. E foi discriminado. Teve problemas no seu concurso de cátedra no colégio e na faculdade de direito da USP, da qual acabou se desligando nos anos 70 por causa da discriminação, segundo a pesquisadora.
Irene conclui que, quando Cesarino consegue realizar a "estratégia de reconversão" do capital cultural em econômico e de prestígio (o professor representou o país em congressos de organizações internacionais do trabalho), isto faz com que se "apague" por um momento a marca da discriminação. Tal ascensão, no entanto, é individual -serve à mitificação da democracia racial. O que não é permitido ao grupo social é chancelado ideologicamente a indivíduos.

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