São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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Déficit de camisinhas favorece Aids

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se quiser conter o avanço da Aids, o governo terá de distribuir ou subsidiar cerca de 177 milhões de camisinhas apenas no Estado de São Paulo ao longo deste ano. O número corresponde somente às necessidades dos grupos de maior exposição ao vírus, como as prostitutas, travestis, presidiários e meninos de rua.
A produção nacional de camisinhas no ano passado foi de 53 milhões de unidades. No final do ano passado, o Ministério da Saúde importou 18 milhões de camisinhas para distribuição gratuita. Até agora distribuiu 6 milhões.
O estudo foi feito pela fundação Family Health International em convênio com a Secretaria de Estado da Saúde. Foi utilizado um programa norte-americano específico para estimativas e projeções do uso de camisinha. O total de 177 milhões corresponde ao uso pelos vários grupos em todas as relações, já considerando margem de perdas e estoque de segurança.
"São estimativas modestas", diz a médica Maria Eugênia Lemos Fernandes, da Family Health no Brasil. De fato, alguns grupos citados precisam de muito mais camisinhas do que o número sugerido pela pesquisa.
Segundo o estudo, as trabalhadoras do sexo –como são chamadas as prostitutas– necessitariam de 1.680 camisinhas por ano, ou cerca de cinco por dia. Patrícia Miranda, 23, que faz ponto no centro de São Paulo, diz que faz até 30 programas por dia "quando está bom". Silvia, 22, diz que usa cerca de 500 camisinhas por mês, que ela mesma compra.
O estudo considerou que existem 20 mil prostitutas de baixa renda no Estado. Os travestis e garotos de programa seriam 5.000. Cada um deles necessitaria de quatro camisinhas por dia. Estela, 26, um dos cerca de cem travestis que fazem ponto na rua Amaral Gurgel (região central), diz que faz de oito a dez programas por dia e usa duas camisinhas cada vez.
Também foram avaliadas as necessidades dos cerca de 10 mil doentes de Aids vivos e de cerca de 90 mil portadores do vírus que frequentam os serviços da Saúde.
Outro grupo estudado foi a população carcerária, estimada em cerca de 45 mil pessoas no Estado (hoje são 52 mil). Segundo o estudo, cada preso deveria receber 375 camisinhas por ano. De acordo com a demanda dos meninos de rua, internados ou em casas abertas (5.000 no Estado), seriam necessárias seis camisinhas por mês para cada um.
Entre os grupos de maior exposição também estariam 1,5 milhão dos cerca de 8 milhões de estudantes de escolas públicas do Estado. Cada um precisaria de uma camisinha por semana. Não é exagero. Segundo a psiquiatra e sexóloga Arletty Pinel, "muitos programas de prevenção falham porque subestimam a quantidade de adolescentes que têm vida sexual ativa". O estudo avalia ainda as necessidades para os próximos quatro anos. Em 1998, por exemplo, o governo precisaria estar subsidiando cerca de 480 milhões de camisinhas só no Estado de São Paulo.

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