São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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O gol é muito mais do que parece ser

TV não respeita os fãs do futebol

NANDO REIS E MARCELO FROMER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para iniciar o assunto dessa semana, precisaremos retroceder um pouco no tempo. Privados de assistir aos programas esportivos do domingo de Carnaval é que demos conta de como um aficionado por futebol se sente quando não pode ver e rever tudo o que aconteceu no recheado fim-de-semana futebolístico. Em função da cobertura ostensiva das folias de Momo, os programas simplesmente foram suprimidos e o torcedor ficou a ver navios, ou melhor, bundas. É como se, de repente, nos víssemos diante de uma portaria que determinasse a proibição de venda de pizzas para os paulistanos aos domingos a partir das 19h.
E é justamente quando o domingo já escovou os dentes e já está de chinelas, certo de que vai dormir, que começam a pipocar na TV os gols, os compactos, as mesas-redondas e tudo que o torcedor ávido de informação necessita. E, graças à informalidade dos jantares ou lanches de domingo, é possível dar uma escapada para já às 8 e meia assistir aos gols do "Fantástico". E aqui cabe uma observação: ao ver aquela chuva de gols, fica a impressão de que algo importante está faltando. E realmente está!
O gol é muito mais do que parece ser. O gol tem seu curso, é como um rio. Há no gol a sua nascente, o seu leito e a sua foz. Desde sua formação o gol já vem predestinado. A criação da jogada pode ter início às vezes na mão ou pés de um goleiro ainda em sua área, num lançamento magistral do meio-campo, numa arrancada bestial pela ponta e de tantas outras maneiras. Há até jogadas que mesmo sem o gol como desfecho são de uma beleza plástica notável. Quem não se lembra daquela jogada em que o Dener, com o perdão do trocadilho, costurou meio time do Newell's, da Argentina, deixando o Maradona de boca aberta? Não foi preciso o gol para que quiséssemos rever a jogada em sucessivos replays.
O gol é o clímax, o máximo, mas não é tudo. Por isso a necessidade de, de vez em quando, tomarmos coragem para enfrentar uma ida aos estádios. É lá o único lugar de onde se tem a visão real, total, completa e panorâmica da jogada.
E nisso cabe uma crítica aos noticiários e programas esportivos em geral. O gol por completo! É isso que o amante do futebol quer e precisa e a TV muitas vezes não mostra. A necessidade jornalística de apresentar o gol-fato em geral acaba por mutilar o gol-objeto. Não existe nada mais sem graça do que ver um gol de pênalti sem conhecer a jogada que o originou.
Mas junto com o gol vem a comemoração. Já assistimos a Serginho Chulapa empunhando o guarda-sol de um representante da federação. Já vimos Neto fazer do gramado uma pista de neve e de seus joelhos dois esquis. Já tivemos as cambalhotas de Romeu, o soco no ar do Rei Pelé, as coreografias de Viola, a emoção nos olhos do Tostão. Mas agora temos que assistir ao gesto programado do indicador levantado atendendo ao contrato de um patrocinador.

Com o Teimoso só faltam 101 dias para começarmos a perder mais uma Copa.

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