São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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THE BREEDERS

CHARLES AARON
DA "SPIN"

"Sem essa" fala, irritada, a cantora-guitarrista-compositora Kim Deal, 32 anos, ex-baixista do Pixies, quando eu teorizo que hoje o rock alternativo funciona como sessão de terapia grupal para a moçada que se considera incompreendida. Kim é frequentemente vista como uma espécie de "Madre Superiora" do rock alternativo, mas se recusa a cumprir esse papel. "Já saímos do colégio!" fala sua irmã gêmea idêntica e guitarrista Kelley.
O pessoal do Breeders tem motivos para estar contente. O segundo álbum da banda, "Last Splash", um misto enganoso de melodias aparentemente simples e ironia aguda, já se tornou disco de ouro. Kurt Cobain, que molda os gostos de muita gente, gosta dele como se fosse um velho disco punk.
As integrantes do The Breeders, uma banda de rock alternativo que se tornou pop, são comparativamente ajustadas, mas ainda se mostram um pouco tensas, não apenas em relação ao rock mas à vida.
Elas zombam impiedosamente uma da outra, como se estivessem representando alguma versão pós-punk de um filme de George Cukor dos anos 40 –"Not Born Yesterday!"–, estrelando Katharine Hepburn e Joan Crawford como as indecifráveis irmãs Deal. Tallulah Bankhead faria a estouvada baixista Josephine Wiggs, e Spencer Tracy o baterista simpático Jim McPherson.
Mas o The Breeders dependem de Kim. "Esta banda não funciona por ser uma democracia e sim porque nós compartilhamos a visão de Kim", diz Wiggs. Essa visão tornou-se inconfundível desde que Kim compôs e cantou "Gigantic" no LP "Surfer Rosa" do Pixies, em 1988. Três álbuns mais tarde, porém, ela havia composto apenas mais uma canção ("Silver", em "Doolittle", de 1989), em co-autoria.
Enquanto isso o The Breeders, um projeto paralelo que ela havia iniciado com Tanya Donelly (na época do Throwing Muses), deu as caras no álbum "Pod", de 1990, mais coerente e indispensável do que "Bossanova", do Pixies, lançado no mesmo ano. Quando o auto-obcecado Pixie Charles "Black Francis" Thompson a demitiu por fax, no início de 1992, Kim deve ter dado um suspiro de alívio.
"Last Splash" explode o claustro espacial do Pixies e junta os pedaços para formar um todo mais compassivo. Elas traçam um quadro bem-humorado e desordenado do meio-oeste americano, em parte devastação industrial e em parte conforto suburbano e consumista.
O Breeders empurra o rock para lugares onde ele mostra seus limites, e há alguns momentos incômodos quando as canções se comportam como crianças com dificuldades de aprendizado, rebelando-se contra a linguagem que Kim coloca em suas bocas –letras irônicas e leads de guitarra elípticos. Raiva e sarcasmo são coisas que passam mais facilmente, e talvez seja por isso que Kim tenha escrito "I Just Wanna Get Along", uma diatribe punk disfarçada de tema de seriado de detetives na TV.
Kim e Kelly se formaram e conseguiram empregos de verdade: Kelley como analista de computação e Kim como técnica de laboratório. Foi ali que ela conheceu John Murphy. "Casei cedo", diz Kim, enquanto Wiggs dá risada. Kim e Murphy se casaram e mudaram para Boston, cidade natal de Murphy, em 1986. Eles se divorciaram dois anos depois, quando o Pixies já havia gravado dois álbuns. "Imagine só, eu poderia estar casada e ter filhos", diz ela. "Já pensou que horrível?"
É difícil imaginar Kim trabalhando num emprego normal ou sendo dona de casa. Quando ela canta "Motherhood means mental freeze" (A maternidade significa congelamento mental) em "No Aloha", do álbum "Last Splash", não é apenas o personagem da canção quem está falando. Kim odeia o fato de que o casamento e a maternidade sempre parecem levar à domesticação –a pessoa fica adulta e se acomoda. Embora esteja noiva no momento, Kim ainda se diverte com o nome da banda –que significa heterossexual, na gíria dos gays.
Tradução de Clara Allain.

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