São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
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Newman acha que cinema perdeu humor

FERNANDA GODOY
DE NOVA YORK

O cinema perdeu o romantismo. Quem diz isso não é nenhum crítico amargo, mas o "darling" eterno de Hollywood, Paul Newman. Cansados de filmes tolos e diretores burocratas, seus olhos azuis viram como um presente, uma miragem, a chance de participar de "The Hudsucker Proxy", dos irmãos Joel e Ethan Coen. No filme, Newman faz o papel de um empresário maquiavélico, braço-direito do presidente da empresa, que se suicida logo no início da história. Newman resolve substituir o presidente por um idiota, interpretado por Tim Robbins.
Apesar da participação no filme, Newman está desiludido e fala em deixar de filmar. O que vai fazer em seguida ainda é segredo, mas uma das possibilidades é escrever. "Estou fazendo a transição de uma atividade comunitária para uma solitária", disse. "Também estou saltando de bungee-jump", completa, com humor.
Quando, impecavelmente vestido, ele entra na sala lotada por jornalistas do mundo inteiro, faz-se um silêncio reverencial. Newman pertence àquela espécie de ator para quem o passar dos anos é inócuo. Como acreditar que em 1958, o ano no qual supostamente se passa "The Hudsucker Proxy", Newman já era o galã de "Gata em Teto de Zinco Quente"? A seguir, trechos da entrevista.
Pergunta - Qual foi a sensação de interpretar um vilão, o personagem mau do filme?
Paul Newman - Pode ser um vilão para você, mas para mim ele era o herói (risos). Foi divertido. Esse é um filme verdadeiramente original. Foi um prazer participar.
Pergunta - A possível reação da platéia à sua atuação em uma comédia o preocupa?
Newman - Infelizmente, estou numa idade em que não preciso me preocupar com essas coisas.
Pergunta - Há uma cena em que o sr. aparece de peito nu. Sua forma física mereceu alguma atenção especial?
Newman - Para falar a verdade, em consequência dessa cena, minha marca vai lançar agora um novo molho para salada (risos).
Pergunta - O que o fez aceitar o convite para trabalhar em "The Hudsucker Proxy"?
Newman - É um filme com um conceito original, com estilo, com um ritual de interpretação. E eu realmente queria trabalhar com os irmãos Coen. Eles têm uma capacidade de dividir a propriedade e o controle do filme sem se agredir um ao outro, o que foi uma verdadeira revelação para mim.
Pergunta - De que maneira a estilização do filme, típica dos Coen, interferiu com a sua maneira de atuar?
Newman -O ator tem que se adaptar à situação em que se encontra. O cinema hoje em dia é um processo muito mais técnico. De alguma maneira, o elemento humano desapareceu. Os diretores ficam assistindo às filmagens em monitores, em salas à parte. Poderiam muito bem estar em Ohio, em vez de Hollywood. Mas não estão dizendo isso sobre os Coen, eles são uma exceção.
Pergunta - Hitchcock também foi acusado de ter tudo previamente programado e não participar diretamente da direção de todas as cenas. Isso é verdade?
Newman - Hitchcock tinha muita pressa, tinha seu ritmo. Mas o que era estimulante era que você podia surpreendê-lo. E se você fizesse algo totalmente inesperado, ele o recompensava com uma risadinha. Vindo dele, era mais do que suficiente.
Pergunta - Então, o prazer em fazer filmes também não é mais o mesmo?
Newman - Não. Quando eu comecei a trabalhar em cinema, nós éramos uma simpática e aconchegante família. Fazíamos as refeições juntos, saíamos para tomar cerveja juntos, brigávamos juntos. Agora, as pessoas são contratadas por duas semanas, tudo é filmado fora de continuidade, é preciso se preocupar com agenda, orçamento. O conceito de filmar desapareceu quase inteiramente. O romantismo e o humor se perderam. Até a nostalgia não é mais a mesma.

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