São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
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A foca de Paquetá

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Apareceu uma foca desgarrada em Paquetá, justo na praia da Moreninha, um dos cenários de nossa literatura romântica, via Joaquim Manuel de Macedo.
Vi a foto da foca (repito: a foto da foca, não soa bem, mas fica assim mesmo). Admirei a admiração dos entendidos. Nessas horas sempre aparece um especialista: se em vez de foca fosse um pinguim, haveria alguém entendido em pinguins (sempre que um papa é eleito aparece no Ceará um primo afastado do papa).
Há dúvida, entre os entendidos, sobre o sexo da foca. Eles não sabem se se trata de macho ou fêmea –uma confirmação a mais para a minha tese sobre a maturidade dos bichos e a juventude do homem.
Recente na natureza e na história, o homem está atrasado em relação a outros animais que já tiveram inteligência, memória, angústias existenciais e veleidades artísticas. Animais evoluídos como as focas (pelo menos a que foi parar em Paquetá) ou não têm sexo ou são hermafroditas por seleção da espécie.
Não é caso para desespero: o homem ainda chega lá. Aliás, já está chegando. Os dias de glória da Lílian Ramos estão contados. Daqui a 800 ou 1.200 anos, os homens serão como a foca de Paquetá –por antecipação já temos alguns exemplares do produto final de nossa evolução.
Além da consideração científica, a foca merece uma reflexão moral. Fellini terminou um de seus filmes com um enorme animal marinho, disforme, um olho medonho em seu ventre de monstro. Nem foca era. Era apenas um sinal. Pois a foca é também um sinal. Não sei exatamente de que, mas não importa.
Alguma coisa a ver, talvez, com o sucesso ou o fracasso do novo plano econômico. Talvez pior: que nossos dias, como a glória da Lílian Ramos, estão contados.
E antes que a foca termine em postas nas cestas básicas do Betinho, o melhor é sugeri-la como símbolo da pretendida aliança entre o PSDB e o PFL –que nem os entendidos saberão se é isso ou aquilo.

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