São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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FHC e Lula dividem o Cebrap

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Felizmente o Cebrap não vota. Se votasse, seria melhor colocá-lo num foguete e deixá-lo na lua até 16 de novembro." É com essa ironia que mal esconde sua preocupação que o economista Francisco de Oliveira, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, resume o desafio do centro que dirige. A mais reputada instituição privada de pesquisa em ciências humanas do país chega aos seus 25 anos de vida diante de um dilema histórico: quem deve ser o próximo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Fernando Henrique Cardoso (PSDB)?
No caso do Cebrap, a resposta a essa questão mistura a escolha de um projeto político para o país com "razões" de ordem pessoal e afetiva. Se Lula representa hoje a opção de esquerda, com a qual o Cebrap sempre se identificou, Fernando Henrique continua sendo o "pai espiritual" que pesa sobre o centro que ele ajudou a fundar em 1969 e através do qual trabalhou pela redemocratização do país até assumir o Senado em 1982. Há ainda outro detalhe que complica as coisas: a antropóloga Ruth Cardoso, no Cebrap desde 1983, é casada com FHC.
Como é praxe na casa, a discussão corre pelos corredores e já foi posta na mesa, antes mesmo que o ministro da Fazenda assuma a sua candidatura, o que para os membros do Cebrap é algo quase inevitável. "Não somos militantes políticos no sentido tradicional e ninguém aqui vai abdicar da prática constante da crítica. No Cebrap não há voto incondicional para ninguém", diz o filósofo José Arthur Giannotti, 64, presidente da instituição entre 1984 e 1990.
Paralisia petista
Foi o próprio Giannotti quem tirou o debate da cozinha do Cebrap para torná-lo público através do artigo que assina hoje na seção Tendências/Debates desta Folha. Defendendo a candidatura de Fernando Henrique, Giannotti afirma que chegou a hora de uma coalizão de centro governar o país e faz duras críticas ao PT, partido de que foi fundador em 1980. Admirador confesso de Lula, Giannotti acusa o PT de estar "paralisado por suas lutas internas e pela demora em alijar seus ranços leninistas". Mais que isso, diz que o partido mantém uma "concepção totalmente desatualizada do capitalismo contemporâneo e não entende o que se passa pelo mundo".
Antes mesmo de vir a público, o texto provocou um pequeno terremoto no público interno do Cebrap, onde Lula tem a preferência quase unânime entre os pesquisadores mais jovens. Bom sinal, segundo o autor. Entre os seus propósitos, além daquele mais explícito de marcar uma posição pró-FHC, está o de lançar o debate sobre o que significa ser de esquerda no Brasil de hoje, rótulo que Giannotti continua reivindicando para si. "Ninguém discute a enorme importância do PT no quadro político brasileiro, mas o partido ainda não conseguiu conformar sua identidade", diz.
"O PT tem até agora um candidato excelente, mas um candidato que não tem um rumo efetivo de governabilidade. Como não acredito que um único partido possa governar sozinho e vejo uma enorme opacidade na ideologia do PT, acho que o centro, apesar da sua dispersão, tem uma consciência mais clara do que seria uma reforma do Estado brasileiro que habilite o país a participar da nova ordem internacional em melhores condições", avalia o filósofo.
FHC e PFL
Até aí, tudo bem, apesar de alguns já torcerem o nariz. O tiroteio no Cebrap começa mesmo no momento em que se dá nome aos bois que integrariam esse governo de "centro" defendido por Giannotti. Em outras palavras, o nó da discussão é a eventual aliança entre o PSDB e o PFL, sem o que a candidatura FHC dificilmente pode ser vitoriosa ou mesmo decolar.
"O PFL é um problema, mas dizer que não podemos tratar com eles porque são fisiológicos de direita é muito rudimentar. É preciso abandonar a idéia de que somos puros e os outros corruptos. O problema é transformar o sistema político, este sim corrupto e ineficaz, o que acredito só ser possível hoje através de uma coalização de centro", diz Giannotti.
"Eu veria com muito desagrado e tristeza uma aliança do Fernando com o PFL", contra-ataca Francisco de Oliveira, eleitor de Lula. "Não sei o que é pior, pensar no PFL como partido ou em pessoas como Antônio Carlos Magalhães, Ricardo Fiuza e Inocêncio Oliveira", lamenta o economista.
A demógrafa Elza Berquó, no Cebrap desde a sua fundação, dá um tom trágico à sua argumentação ao falar do PFL: "Essa aliança é muito, muito dura. É um preço altíssimo que talvez tenhamos que pagar, mas mesmo assim votarei no Fernando Henrique", diz. "Ninguém passa tranquilamente ou impunemente por uma aliança como essa, mas há momentos em que é preciso recuar para poder andar para frente", justifica.
"Fernandetes"
Eleitor de Lula, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, 46, está no Cebrap desde 86, quando voltou da França depois de ficar mais de 15 anos fora do Brasil. O fato de não ter convivido cotidianamente com Fernando Henrique Cardoso lhe dá uma visão mais "impessoal" do debate sucessório. "O carisma do Fernando sobre as pessoas que trabalharam com ele é enorme. Temos na geração mais velha do Cebrap um autêntico grupo de 'fernandetes orgânicos"', brinca Alencastro.
Apesar de não esconder suas eventuais objeções à condução das lutas internas do PT, Alencastro não concorda com Giannotti quando este vê o partido paralisado pelo "ranço leninista". "O PT domesticou muito mais os seus grupos internos do que a direita os seus porta-vozes", diz.
Um exemplo? "Quando Antônio Carlos Magalhães afirma que se o Lula ganhar não assume porque alguém vai dar um golpe, eu só posso ter medo. Ninguém na esquerda diz coisas assim. Personagens como ACM, golpista e andróide da ditadura, assustam muito mais do que qualquer radical que o PT possa ter lá dentro", afirma.
Aniversário
Apesar da escolha entre Lula e FHC ser "perturbadora, difícil e marcada por uma enorme ambiguidade", como diz Francisco de Oliveira, se ambos chegarem ao segundo turno "todo o esforço do Cebrap desde a sua fundação estará sendo coroado", como afirma Elza Berquó. De certo, por enquanto, só se sabe que as bodas de prata do Cebrap serão comemoradas a partir de maio, quando Fernando Henrique Cardoso faz na USP uma conferência na condição de fundador do centro. Nessa ocasião, o "foguete" que Francisco de Oliveira queria ver na lua talvez esteja se preparando para aportar em Brasília.

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