São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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O poder de um só

JANIO DE FREITAS

A revisão constitucional deu um bom avanço, mas não porque afinal fez umas votaçõezinhas e derrubou, nelas, as emendas que permitiriam reeleição e dariam a governantes-candidatos mais tempo para usar eleitoralmente os recursos da administração. O avanço caracterizou-se pela percepção dos líderes das bancadas pró-revisão, seguidas das primeiras providências, de que o relator Nelson Jobim, além de não demonstrar a competência jurídica que lhe foi atribuída, ostenta um poder discricionário absoluto e, por isso mesmo, muito perigoso.
A conclusão das lideranças revisionistas não é nova, mas consolidou-se depois da derrota, nesta semana, das emendas que propunham reeleição, licença para governantes se candidatarem e reeleição. Ficou evidente que a recusa às emendas se deu porque sua formulação, por Jobim, era uma trapalhada daquelas, misturando o que devia estar separado, separando o que devia estar junto e abrindo brechas a casuísmos em futuro próximo, além do casuísmo que parte das emendas já exibia.
Os líderes querem do presidente da revisão, Humberto Lucena, que a formulação das propostas de emendas deixe de ser atribuição exclusiva de Jobim, tornando-se abertas a modificações pelo conjunto das lideranças. É esta, acreditam, a única maneira de prevenir novas trapalhadas que levem à rejeição de emendas no entanto desejadas, aparentemente, pela maioria dos congressistas, como dizem ser o caso do direito de reeleição para os eleitos neste ano. Em termos mais simples, o que as lideranças revisionistas querem é diminuir, substancialmente, o poder formal de Nelson Jobim e, sobretudo, o poder atralibiário que ele próprio se concedeu. Irritado, o relator ameaça demitir-se, tão logo conclua os relatórios sobre as propostas de emendas –os quais já deviam estar prontos há muito tempo. A providência das lideranças é, porém, mais do que necessária: é indispensável e urgente.
Não é admissível que o poder de selecionar as possíveis emendas à Constituição, entre mais de 17 mil apresentadas, concentre-se em um só parlamentar não importa qual seja. Os dois relatores adjuntos, Ibrahim Abi-Ackel e Gustavo Krause, na verdade não participam deste poder, porque a vontade de Jobim se impõe. A tal ponto o relator inflacionou suas atribuições, que passou a considerá-las idênticas às do próprio Congresso. Nada mais, senão isto, poderia levá-lo a ameaçar, como fez no mês passado, "suspender a revisão" se ela não desengasgasse logo. Atribuiu à sua exclusiva vontade o que só poderia ser decidido pela maioria do Congresso.
Agora mesmo, na sexta-feira, ocorreu uma exibição inimaginável do caráter discricionário e manipulador com que a relatoria está sendo exercida pela prepotência de Jobim. Aos representantes do Ministério Público com os quais se reuniu, para ouvir argumentos contrários às propostas de emendas preferidas por Jobim para o Judiciário, ameaçou-os com estas palavras recolhidas pela repórter Carmen Kozak: "Já alertei os magistrados e os advogados, agora é a vez de vocês. Se integrantes do Ministério Público continuarem trabalhando para derrubar esses mecanismos (as emendas do seu desejo), o relator vai permitir que o plenário reduza as atribuições conquistadas (pelo Judiciário) na Constituição de 88. É retaliação mesmo". Veja só: "O relator vai permitir" que o Congresso revisor decida isto ou aquilo. Sobre o valor moral da ameaça, a referência a retaliação diz tudo por si só.
Como estão as coisas no Congresso revisor, não está sendo revista a Constituição do Brasil. Está sendo feita a Constituição do Jobim.

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