São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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O declaratório e o explicatório

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

O governo encontrou os inimigos para o plano do ministro FHC. O nome é estranho: oligopólios. Sua forma, dimensões e outras características, entretanto, permanecem como mistério. A imprensa tem repetido enfaticamente que o ministro, seus assessores e o governo em geral vão combater os tais oligopólios, mas não dá conta de explicar ao leitor o que são, como funcionam -e o que é mais importante, se há alguma maneira de escapar de sua ação. Talvez a imprensa dê de barato que, depois de tantos planos econômicos, este já seja um país de cento e tantos milhões de economistas. E economiza nas explicações.

Sim, porque só isso justifica que a Folha, por exemplo, tenha incluído em algumas de suas reportagens na semana passada a explicação de que oligopólios são feitos de "poucas empresas com o poder de ditar preços". A engenharia dessa malandragem típica das economias em desenvolvimento não pode ser explicada assim, numa frase ligeira. Ao leitor que teve seu salário convertido por uma média que ele não discutiu a partir de 1º de março, quando os preços decolaram nas gôndolas dos supermercados, os jornais deviam mais satisfações. Deviam um raio-X dos oligopólios. Deviam informar melhor sobre esse mecanismo com o qual somos todos obrigados a conviver. Continua na pauta.

A única boa explicação, até agora, para o que são e como funcionam os oligopólios está na reportagem de capa da revista "Veja" que circulou semana passada. O leitor que atravessou suas oito páginas tem ao menos uma idéia de como os inimigos do plano FHC agem desde antes do plano FHC. De como combinam aumentos entre si porque dominam o mercado de alguns produtos. Há também números que revelam mais sobre o Brasil do que os da URV –como dizer que num grande supermercado, 200 fornecedores respondem por 72% do que está nas prateleiras enquanto outros 2.300 completam os 28% restantes. Nenhum jornal, nem mesmo os que, como a Folha, elevaram o combate de FHC aos oligopólios à condição de manchete, conseguiu ser tão eloquente.

Mas o plano tem outro inimigo. Os "preços abusivos". Os técnicos da URV reúnem a imprensa para dizer que vão combater os "preços abusivos" e, no dia seguinte, o assunto é manchete em todos os jornais. Em todos eles, também, falta (e continuou faltando até sábado) uma explicação clara e convincente do que seja "abusivo". Durante a semana, insisti na crítica interna para que a Folha deixasse de lado o adjetivo e procurasse alguma subtância nessa expressão. Porque o que é "abusivo" para o governo não deve ser para a indústria –mas pode ser, e muito, para o consumidor final, aquele do salário convertido em URV pela média. Mais: num país em que tudo sobe todos os dias, o que pode ser considerado "abusivo"?
A Folha bem que tentou, mas tudo o que conseguiu foi reproduzir declarações do governo segundo as quais "abusivo" é o aumento que eleva preços acima da média dos últimos quatro meses de 93. Como o leitor não tem sequer como saber quanto custou, em média nos últimos quatro meses de 93, a pasta com que escova os dentes e começa seu dia de manhã, a explicação abusa de sua paciência. É bonitinha, mas ordinária.

Generalizando, falta à imprensa empenho jornalístico na cobertura do Brasil pós-URV e pré-real. Falta descer à causa estrutural de alguns problemas (como é o caso dos oligopólios). Falta subir à tona da confusão criada em torno de conceitos vagos (como é o caso dos "preços abusivos"). Falta encostar a equipe econômica na parede e exigir dela as tais listas de produtos cujos preços foram acompanhados nos últimos "x" meses (o número varia de jornal para jornal), com as quais se poderia entender se os oligopólios exageraram mesmo, e se os preços estão "abusivos". Falta ser mais crítica com o ministro FHC e sua indecisão sobre ser ou não ser candidato, ou suas declarações de que vai colocar empresários, os promotores de sua corrida ao Planalto, atrás das grades por causa de "abusos nos preços", ou ainda suas promessas de que a Sunab vai fazer e acontecer.
Falta, enfim, ser menos uma imprensa de gabinete, aquela que se limita a reproduzir o declaraório e o explicaório de autoridades.

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