São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Preços, aflição e sensatez

ANTONIO KANDIR

Não há brasileiro que não esteja assustado com o repique da inflação, embora ainda seja cedo para dizer se os preços tendem a permanecer em alta ou se haverá certa acomodação mais adiante.
Por razões mais que compreensíveis, para a grande maioria das pessoas pouco importam as dúvidas com que se debatem os economistas a este respeito. O fato é que o repique inflacionário afeta o bolso, causa insegurança, eleva o grau de tensão e desperta temores.
Neste ambiente, volta a assumir caráter dramático uma conhecida questão: qual a capacidade efetiva que o governo tem de controlar os preços numa economia complexa e diversificada como a nossa?
Nesta matéria é mais fácil brandir ameaças vãs e contraproducentes que manejar com eficácia e sensatez os instrumentos adequados. O problema, longe de ser conjuntural, é parte integrante de toda tentativa de estabilizar a economia e tende a permanecer em pauta até que a estabilização esteja consolidada.
Diante dele, há três erros a evitar: 1. fingir que não existe; 2. ficar de braços cruzados esperando que o problema se resolva; 3. ligar o megafone da retórica populista, escolher como alvo dois ou três supostos bichos-papões e saciar a ira de todos com ações espetaculosas e arbitrárias (o que não significa tibieza com quem, comprovadamente, cometer fralde contra o consumidor).
Como o problema tem sido recorrente nos últimos anos e agora reassumiu dramaticidade, já é tempo de mudar o enfoque com que tem sido visto e substituir o instrumental com que foi enfrentado no passado, por falta de opção.
A questão central para disciplinar os preços está em criar condições, estabelecer regras e dotar o poder público de instrumentos que inibam práticas abusivas de mercado. Veja-se que há uma diferença aparentemente sutil, mas radical, entre controle de preços e das condições de mercado, de modo a inibir práticas abusivas.
Quando a mira se faz diretamente sobre os preços, coloca-se um problema que, no limite, é insolúvel: o bom controle supõe a existência de um Estado onisciente e onipresente, capaz de substituir integralmente os mecanismos de mercado. Trata-se, nem preciso dizer, de um suposto delirante e irrealizável na prática.
Já não ocorre o mesmo quando o alvo são práticas abusivas de mercado, definidas como práticas que cerceiam a livre-concorrência. Estas, sim, podem ser definidas e devem ser objeto da ação do poder público, respaldada em legislação específica e por meio de instrumentos transparentes.
Quando a mira se faz sobre práticas abusivas de mercado, os preços acabarão por ser afetados. Na medida que suspendam-se os entraves à livre-concorrência, ou os agentes que praticaram preços abusivos dispõem-se a redefiní-los ou perderão fatias do mercado para novos competidores.
Daí a importância de produzir com presteza, mas com competência, para não parir um monstrengo, uma lei mais eficaz de defesa da concorrência, cuja pedra-angular é o fortalecimento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O atropelo em que se vê agora o governo para elaborar um projeto de lei sobre a matéria resulta de um cochilo do Executivo e de suas lideranças no Legislativo. Cochilo de roer o estômago, já que projeto de lei sobre a matéria dormita no Congresso desde 1991.
Deixá-lo dormindo nas gavetas do Legislativo, enquanto se elaborava um plano de estabilização, corresponde ao árbitro esquecer de levar chuteiras de travas altas sabendo que a partida será disputada em campo encharcado. Como ainda temos pela frente um longo e incerto 2º tempo, é bom providenciar logo chuteiras adequadas ao estado do gramado.
Não para dar botinadas, que de nada adiantam e fogem ao papel do árbitro, mas para poder conduzir a partida da estabilização com segurança, sem escorregões e desrespeito às regras do jogo.

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