São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Estudo sobre a imagem une didatismo e clareza

FERNÃO RAMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A reflexão sobre a imagem e sua inserção na sociedade contemporânea às vezes parece girar em torno de um mesmo disco riscado. Dos simulacros às abordagens paranóicas ou ufanistas, temas recorrentes vêm à tona, tendo como preocupação obsessiva o revelar de sua sintonia com a última conquista tecnológica. É neste sentido que sentimos um lufada de ar fresco ao percorrer o interessante corte horizontal realizado por Jacques Aumont no pensamento sobre a imagem, em seu livro "A Imagem".
Trata-se de um livro de cunho didático, mas que une clareza na exposição a uma ampla erudição e conhecimento bibliográfico sobre o assunto. Aumont trabalha em
uma confluência estimulante, atualmente explorada por diversos pesquisadores na França: a que aborda o campo imagético a partir da encruzilhada conceitual entre a
tradição da estética e da história da arte, confrontada com a reflexão desenvolvida a partir de imagens mecânicas, pensadas, em particular, a partir da teoria do cinema.
Um dos aspectos mais instigantes do trabalho de Aumont em "A Imagem" é sentirmos o peso de conceitos formados dentro do quadro do horizonte pictórico e escultural, sendo flexionados a partir de elementos próprios a imagem obtida através da mediação da câmera.
Ao leitor acostumado à densidade da reflexão que pensa essa imagem e outras que tem sua constituição delineada através de maquinismos diversos, causa certa irritação o pequeno número de teóricos que, neste século, evitaram generalizações que se mostram mancas exatamente por ignorar essas potencialidades. Em "A Imagem" o eixo do pensamento sobre a imagem encontra-se inclinado em direção à teoria do cinema. O leitor poderá descobrir como elementos centrais para a composição desta imagem como o espaço "off", a profundidade de campo, o enquadramento, a montagem, o caráter centrífugo do espaço, o ponto de vista, a mediação da câmera, a indicialidade do traço, etc., interagem e modalizam com a tradição conceitual da
estética e da história da arte, que pensam a imagem e a representação ao largo destes elementos.
O livro de Aumont faz um percurso panorâmico de elementos capitais na reflexão sobre a imagem, dialogando com psicólogos, filósofos e físicos que se debruçaram
sobre o assunto. O primeiro capítulo é bastante técnico, dando um panorama da constituição ótica da imagem a partir da psicologia experimental e sua reação (de seus
suportes), físico-química sobre o órgão biológico de visão. Os outros capítulos são dedicados respectivamente ao espectador, ao dispositivo, à imagem propriamente, terminando-se o percurso com a questão de seu estatuto artístico.
Cada capítulo é acompanhado de uma excelente bibliografia temática, que situa o leitor face aos desenvolvimentos abordados no texto, de autores centrais na tematização da imagem como Cassirer, Francastel, Gombrich, Panofsky, Lyotard, Lacan, Damisch, Wolfflin, Goodman etc. A presença destes nomes ao lado da tradição reflexiva da imagem em movimento de Bazin, Metz, Deleuze, Arnheim, Bordwell e outros, constitui a singularidade e atração particular deste livro.
A reflexão sobre cinema hoje encontra-se de maneira dominante em dois leitos. Herdeira direta da defunta semiologia, a tematização da cinematografia deslocou-se do poço sem fundo e árido da busca dos códigos para o terreno mais fértil da narratologia e do estudo da enunciação fílmica, a partir dos parâmetros estabelecidos por Gérard Genette (em "Figures III") em torno da antiga dicotomia discurso/história de Emile Benveniste. O diálogo mais próximo aqui é com a tradição narratológica da teoria literária. Desta reflexão sobre a imagem narrativa, hoje extremamente atuante na França e nos Estados Unidos, ainda não nos foi brindada nenhuma tradução. Por
outro lado, temos o pensamento que tematiza a constituição plástica da imagem propriamente, dando mais ênfase à simultaneidade dos elementos plásticos do que à
articulação sucessiva destes em narrativa e sua enunciação. O trabalho de Jacques Aumont insere-se um pouco mais dentro dessa linha com uma reflexão aprofundada sobre cinema e pintura em "L'Oeil Interminable – Cinéma et Peinture" (1989), debruçando-se igualmente em um aspecto central da cinematografia, que é a imagem
vislumbra de se pensar a imagem contemporânea de uma maneira dinâmica, ao largo do traçado do evolucionismo tecnológico.

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