São Paulo, domingo, 13 de março de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Um livro-bula da CPI do Orçamento Repórteres investigam meandros da política brasileira CLÓVIS ROSSI
A CPI era um pouco assim. Para entendê-la, só com bula ou um folheto explicativo, desses que as secretarias de Turismo costumam distribuir para estrangeiros que vêm ver o carnaval brasileiro. Se o livro "Os Donos do Congresso - A Farsa da CPI do Orçamento" se limitasse a cumprir esse papel de bula para entender a investigação, já seria imperdível para quem se interessa pelo meandros da política brasileira. Em tese, pelo menos, deveria interessar a todos, à medida em que o dinheiro de todos os contribuintes estava em jogo, como ainda está. Mas o livro, dos repórteres da Folha Gustavo Krieger, Fernando Rodrigues e Elvis Cesar Bonassa, vai além. Não se limita, conforme pecado cometido pela maioria dos meios de comunicação, a tratar os envolvidos, pelo menos os principais, como meros CICs e CGCs. Dá-lhes carne e osso. Pena que a carne (a biografia de cada um) provoque náuseas, mas a culpa certamente não é dos autores. O livro tampouco é passivo no que se refere ao comportamento de acusados e investigadores. Não poupa sequer o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), pela trapalhada em que se meteu, ao buscar Ana Elizabeth Lofrano em Nova York, quando ela já estava enterrada, há mais de ano, em Brasília. As suspeitas e acusações lançadas no livro não são tão fáceis de comprovação, mas o texto oferece abundante material para que a sociedade continue cobrando uma limpeza que a CPI apenas insinuou e acabou contendo nos limites da prudência ou da conveniência, conforme o ponto de vista de cada um. É o caso, em particular, do mergulho que o livro faz nos documentos encontrados na casa de um diretor da empreiteira Norberto Odebrecht em Brasília. Tudo isso torna menores alguns pecados veniais cometidos pelo trio de repórteres. Um deles é até irrelevante, mas, a bem da verdade, não custa citar. O livro atribui a Delfim Netto (PPR-SP) uma frase sobre a suposta "desumana ignorância" de Ulysses Guimarães em matéria de economia. O dono da "boutade", na verdade, é Roberto Campos (PPR-RJ). O outro pecado venial são pinceladas, aqui e ali, em especial no início do livro, tentando jogar sobre Brasília a culpa pela corrupção ou, no mínimo, pela lassidão no trato do dinheiro público. Nada, no texto, consegue demonstrar a tese. Ao contrário: o próprio livro a desmonta, ao apontar para as brechas na Constituição de 88 e no Código Penal como maiores responsáveis por pavimentar o caminho para as irregularidades investigadas pela CPI do Orçamento. Ninguém espere do livro a história definitiva dos subterrâneos enlameados da política brasileira. Nem era esse o seu propósito. Trata-se, sim, como toda boa reportagem, de história instantânea, com começo, meio e fim. Uma história bem contada, ainda que nada edificante. Texto Anterior: Estudo sobre a imagem une didatismo e clareza Próximo Texto: A utilidade do corpo inocente Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |