São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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A bioquímica da agressão

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O vertiginoso desenvolvimento das neurociências nos EUA pôde ser avaliado pelos 22 mil cientistas que compareceram à última reunião anual da "Society of Neurosciences" em Washington, no final de 93. Tão grande número de participantes já começa a perturbar a organização das reuniões e já levou alguns membros a propor sua divisão (regionalização, especialização etc.).
Um dos assuntos tratados foi a agressão e sua bioquímica. Marcia Barinaga ("Science", 262, 1211) relatou o trabalho apresentado por René Hen, do Inserm de Estrasburgo, sobre relação entre serotonina e agressão. A serotonina figura como agente numa das principais hipóteses sobre a causa da depressão; sua deficiência seria fator depressivo cujos efeitos se procura combater com drogas que inibem a enzima que a decompõe.
A serotonina é neurotransmissor (substância que estabelece comunicação entre as células nervosas) muito espalhado no cérebro, onde interage com 14 receptores e participa da instalação de diversos estados mentais. Sabe-se que uma baixa acentuada na serotonina pode tornar uma pessoa terrivelmente agressiva, mas as pesquisas sobre a causa disso não têm sido fáceis porque há vários tipos de receptores envolvidos nos efeitos.
Diante do malogro dos estudos bioquímicos, Hen apelou para um modelo animal de camundongos "nocauteados", isto é, animais em que destruiu um gene ligado ao receptor da serotonina. A partir desses animais nocauteados, criou linhagens específicas para cada tipo de serotonina.
Os camundongos nocauteados não manifestavam alteração apreciável no comportamento e respondiam normalmente a testes de ansiedade e atividade. Quando, porém, os animais são antes submetidos a um teste de isolamento por quatro semanas e depois expostos a um outro camundongo, normal, o nocauteado revela violenta agressão contra o estranho.
Hen não pode ainda afirmar que o comportamento do nocauteado reflita aumento da "agressão pura", e por isso delineou um outro teste, em que camundongos previamente estressados com exposição a forte ruído eram colocados em amplas gaiolas abertas.
Os camundongos normais, em gaiolas desse gênero, procuram ficar perto das paredes, pois naturalmente temem os espaços grandes e abertos. Mas os nocauteados para o receptor da serotonina permanecem a maior parte do tempo no espaço aberto, aparentando menor medo do que os normais.
A partir das observações desse segundo teste, Hen passou a imaginar que o violento ataque ao estranho no primeiro teste não era motivado por excesso de agressividade, mas por falta de medo em relação ao camundongo invasor.
A descoberta de uma deleção de gene relacionada a comportamentos dos pacientes propiciará, segundo afirma John Mann a Barinaga, estudos mais apurados do receptor correspondente no homem e poderá servir de guia para o tratamento. Diversos quadros patológicos poderão estar associados a esses genes. As coisas se complicam, porém, porque o gene investigado por Hen não é o único associado à agressividade.

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