São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Uma luz contra radicais livres

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O brilho dos vaga-lumes pode ter sido uma adaptação evolutiva contra a intoxicação por radicais livres, tidos e havidos como os "vilões" responsáveis pelo envelhecimento. Essa hipótese está sendo testada pela equipe do bioquímico Etelvino Bechara, do Instituto de Química da USP. A reação química que gera a luminosidade também pode ser aplicada à higiene industrial e hospitalar.
Pode parecer estranho, mas a molécula necessária para os seres que respiram obterem sua energia –o oxigênio– deixa como resíduo do processo os radicais livres –estruturas que têm facilidade de reagir e "corroer" (ou oxidar) membranas, proteínas e até o material genético. É o "preço" que o organismo paga pela energia que obtém (veja quadro ao lado).
Mas os radicais livres também podem ter efeitos benéficos. A destruição de invasores do organismo, por exemplo, é realizada por células de defesa que os englobam e bombardeiam com os tais radicais livres. Eles oxidam e destroem o invasor. Segundo Bechara, são uma faca de dois gumes.
Nos vaga-lumes, a luz é produzida em células especiais –chamadas fotocitos– em uma reação química que consome oxigênio. "Tenho a preocupação de testar a hipótese de que a emissão de luz, a bioluminescência, tenha surgido ao longo do processo evolutivo para minimizar os efeitos tóxicos do oxigênio", diz Bechara.
"Sabe-se hoje que uma série de enzimas e vitaminas controlam a ação tóxica do oxigênio." No vaga-lume, a luz é produzida em uma reação química do oxigênio com uma substância chamada luciferina. A reação é controlada por uma enzima –a luciferase.
"A luciferase catalisa uma reação que usa oxigênio, ela esgota o oxigênio que existe dentro da célula." Esgotando esse oxigênio, supõe-se que o sistema luciferina-luciferase reduza a formação dos radicais livres no vaga-lume. Nesse caso, a luciferase atuaria como enzima antioxidante.
Em um experimento, vaga-lumes foram expostos a uma atmosfera com 100% de oxigênio e mediu-se a luz emitida. Verificou-se que eles produzem mais enzimas que atuam como antioxidantes e mais luciferase. "Já demonstrei que o oxigênio induz a síntese das enzimas antioxidantes e da luciferase, sugerindo fortemente que a luciferase esteja envolvida na desintoxicação contra o oxigênio", diz Bechara. Outro experimento está testando se, com pouco oxigênio, cai a produção da luciferase.
Para gerar a luz, a reação do oxigênio com a luciferina também consome energia "química" –na forma da substância ATP. A intensidade da luz é proporcional à quantidade de ATP disponível no meio onde estão a luciferina e a luciferase. "Esse fato abriu um vasto campo de aplicação tecnológica para essas substâncias", afirma o químico.
A luciferina e a luciferase são retiradas dos vaga-lumes e acrescentadas a amostras onde se quer verificar o nível de atividade de seres vivos –representado pelo teor de ATP. Para isso, basta medir a luz emitida com fotômetros ou através de filmes fotográficos.
"Isso pode ser usado na medida da contaminação por bactérias em água tratada, alimentos, medicamentos, e para controle da higiene industrial ou hospitalar em geral", afirma Bechara. Dos 74 trabalhos sobre luciferina e luciferase registrados no banco de dados do "Chemical Abstract" durante cinco anos, até junho de 1993, 25 se referiam a aplicações desse tipo.
Vinte outras publicações estavam relacionadas ao estudo da molécula da luciferase. Isso porque também é possível usá-la na engenharia genética.
Para obter uma bactéria capaz de produzir insulina humana, por exemplo, insere-se o gene da insulina na bactéria. Um problema da bioengenharia é saber quanta insulina é produzida. Isso é feito com outro gene, acoplado ao gene da insulina, que serve como detector do fenômeno –no caso o gene da luciferase.
"O gene da luciferase do vaga-lume tem sido usado como 'repórter' da síntese de proteínas", explica Bechara. "Você adiciona luciferina e vê a luz. Você sabe que está havendo a produção de insulina pela emissão de luz", conclui Bechara.

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