São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Norte destrói o Sul em guerra civil simulada

FABRIZIO GATTI
DO "CORRIERE DELLA SERA"

Turim: bombas nas estações e aeroportos. Pontes das auto-estradas destruídas. Centrais termoelétricas incendiadas por mísseis. Indústrias e linhas ferroviárias paralisadas por falta de energia. Terroristas prontos para atentados. Italianos contra italianos.
É o cenário de uma guerra civil. A hipótese foi levada a sério, pela primeira vez, por um exercício que ocupou prefeituras e delegacias de Piemonte, Lombardia e Ligúria, e o comando militar de Turim. Objetivo: avaliar as reações.
Um exercício teórico. Carros armados e soldados foram deixados nas casernas. Oficiais e funcionários tomaram decisões somente no papel. Mas, por três dias, as prefeituras da Lombardia, do Piemonte e da Ligúria comportaram-se como se tudo fosse verdade.
O programa de treinamento, mantido em segredo, foi confirmado por funcionários do Ministério do Interior. A operação começou dia 9 de novembro passado e só foi divulgada em dezembro. Para manter o sigilo, foram envolvidos apenas órgãos estatais: além da polícia, os carabineiros, exército, prefeituras e bombeiros. Foram excluídas as organizações de voluntários que, em outras circunstâncias, sempre eram convocadas.
Até pouco tempo atrás os exercícios das prefeituras se restringiam às calamidades naturais. Coronéís dos carabineiros e especialistas das emergências deviam treinar para enfrentar terremotos, enchentes e desastres ecológicos. Mesmo para o comando militar, o inimigo era outro. Chegava do Leste e usava os uniformes do Pacto de Varsóvia. Agora que caíram os muros, a Liga de Umberto Bossi ameaça a separação, e o futuro político é incerto.
São esses os detalhes da operação levada a cabo em Turim, Gênova e Milão, o triângulo industrial de outros tempos. Foi batizada de Superga, em homenagem à colina que domina a capital piemontesa, ou talvez um tributo aos ideais da Unidade Italiana, que o clima atual arrisca sepultar. Mas, sob outros aspectos, a simulação, supostamente preparada pelo Ministério do Interior, poderia ser considerada, com certeza, da Liga.
Na operação, as vicissitudes políticas levaram ao desmembramento do Exército e do território nacional em três macrorregiões. Mas sem relação com o projeto de Mossi: "A subdivisão poderá ser puramente casual, decidida em função do plano de treinamento. Mesmo porque é necessário inventar um inimigo", diz um informante.
Piemonte, Lombardia e Ligúria compõem o Estado dos Verdes. Um estado democrático, politicamente estável, com economia rica. Alusão à República do Norte de Bossi? No mapa geográfico, Veneza, Trentino Alto Adige e Friuli Venezia Giulia são os Amarelos. Vivem uma fase transitória. Já superaram o cruel período de conflitos e caminham rumo a uma paz eterna. Seus contatos com os Verdes, com negócios comerciais e livre circulação de pessoas, deixam antever um futuro cor-de-rosa.
Enfim os Cinzas, os maus. Da Emília Romana para baixo, compreendem todo o resto da Itália. Nos mapas é um Estado instável, como a América do Sul. Facções político-comerciais belicosas, governos que nascem e sobrevivem até o próximo golpe. Os Cinzas ameaçam a tranquilidade dos Verdes. Contam com um exército regular. Estão dispostos a tudo para reconquistar o Norte. São eles que financiam o terrorismo. O exercício chega a ser engraçado: para os atentados a Turim, Milão e Gênova, estão previstos comandos recrutados entre marroquinos e estrangeiros sem trabalho.
Somente as prefeituras das macrorregiões dos Verdes são mobilizadas para o exercício secreto. Por quê? No momento não há respostas. O alarme no triângulo industrial soa às 8 horas de uma terça-feira, 9 de novembro. As delegadas, os comandos dos carabineiros, do exército, dos bombeiros já estavam de sobreaviso. Desde as 8 h da manhã, oficiais, funcionários e engenheiros especializados em telecomunicações e linhas elétricas receberam ordens em código.
O Pó é o lugar mais frágil dos Verdes. Através do rio, além dos terroristas marroquinos, os Cinzas infiltraram no Estado rico os seus sabotadores. Trilhos, pontes e ferrovias correm o risco de ir pelos ares. Há um plano com provocadores enviados a Milão, Turim e Gênova para organizar manifestações e fomentar agitações.
O porto de Spezia e o terminal petrolífero de Gênova são desativados por explosões. Mísseis destroem as centrais elétricas que alimentam Turim e Milão. Engenheiros trabalham duro para fazer chegar energia às cidades. Técnicos têm de garantir a comunicação em código entre as prefeituras. Oficiais da Região Militar do Norte preparam a defesa, operação executada apenas no papel, avaliando a disponibilidade de homens e recursos para enfrentar emergências.
Contra os Verdes junta-se um ataque convencional dos céus. As pistas dos aeroportos de Turim e Milão estão, no momento, desativadas. A polícia rodoviária estuda caminhos alternativos para percorrer as pontes das auto-estradas, que foram bombardeadas e destruídas. Em Milão, a estação central não tem energia, há uma explosão. As indústrias estão pralisadas. Os provocadores cinzas estão incitando a multidão. Mas é 11 de novembro, último dia da mobilização. O exercício dura até à noite. Depois o comitê de operação é desfeito. As prefeituras julgam o exercício um sucesso. O ataque dos Cinzas foi repelido. A Itália está destruída.

Tradução de Anastasia Campanerut

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