São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Japão mantém segregação a antigos párias

THAÍS OYAMA
ENVIADA ESPECIAL A TÓQUIO

À beira do século 21, o Japão ainda não conseguiu se livrar do que, para muitos, é o seu mais vergonhoso tabu: os "burakumins", descendentes dos antigos párias surgidos no século 17 (veja texto ao lado).
Discriminados porque seus ancestrais exerciam trabalhos considerados desprezíveis, eles são segregados até hoje, em uma sociedade que detém a 3ª maior renda per capita do mundo (US$ 21 mil) e registra um índice de 97% de estudantes formados no 2º grau.
Os descendentes dos burakumins ainda vivem em guetos. A própria palavra significa "gente segregada". Dificilmente conseguem empregos melhores do que o trabalho de recolhimento de lixo, tratamento de esgotos e a limpeza de ruas. Têm suas vidas investigadas no momento em que tentam obter emprego ou cogitam casamento e, nas duas situações, é comum se verem recusados ao terem revelada a sua origem.
Nada, no entanto, os diferencia dos demais japoneses, à exceção do fato de que seus antepassados lidavam com animais mortos, na fabricação de couro ou comercialização de carne –atividades que até o final do século passado eram tidas como "sujas".
Oficialmente, a discriminação foi abolida em 1871, mas perdura na prática. Em alguns círculos, o fato de se pronunciar em voz alta a palavra "burakumin" é considerado indelicado. Relatório obtido pela Folha junto à Agência de Melhorias Regionais do governo do Japão afirma que, em 92, 780 descendentes burakumins foram vítimas de preconceito no momento de pedir emprego.
Os relatos variam de perguntas impróprias feitas ao candidato durante a entrevista (profissão dos pais e avós) até a investigação do seu passado por detetives especializados em detectar burakumins.
Um destes detetives foi o pivô do maior escândalo já ocorrido no Japão moderno envolvendo o tema. Em 1973, entidades denunciaram a existência de uma lista clandestina intitulada "Vilas e Localidades Buraku". Elaborada por um detetive, ela reunia supostos endereços de descendentes de párias e era vendida para empresas que queriam evitar sua contratação.
Investigações revelaram que 224 instituições assinaram a lista, entre elas alguns sinônimos do sucesso empresarial japonês, como a Toyota, Mitsubishi e Suzuki. A descoberta foi amplamente divulgada pela mídia, as empresas admitiram a discriminação e tiveram de pedir desculpas públicas.
"Foi um dos episódios mais infames da nossa história recente", diz Yoshinobu Sakamoto, 41, da Liga Pró–Liberação dos Burakumins. Nascido em uma vila buraku em Osaka (região sudoeste do Japão), Sakamoto só veio a saber da sua origem quando percebeu, aos sete anos de idade, que seus colegas não podiam visitar sua casa.
"Como a maioria da vizinhança trabalhava com lixo (atividade típica dos burakumins), sempre havia sacos em frente às casas, o que denunciava a condição do local.Os pais não deixavam seus filhos irem lá". Sakamoto se casou com uma burakumin, formou-se em economia e tem dois filhos, de 12 e 15 anos. "Digo a eles que não têm do que se envergonhar. Quem tem de ter vergonha é o país e as pessoas que compactuam do preconceito".

A jornalista THAÍS OYAMA viajou a convite do Foreign Press Center do Japão.

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