São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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África do Sul vê seu novo Exército se desintegrar

GEORGES MARION
"LE MONDE", DE PARIS

Já se sabia que eles são indisciplinados, amantes da cerveja, briguentos, propensos a desertar e que costumam resolver suas divergências na ponta da faca. Mas, a julgar pelos últimos incidentes no campo de Bloemfontein, onde fazem seu treinamento, os futuros soldados da Força Nacional de Paz (NPFK) sul-africana também são cabeças-duras que não hesitam em entrar em greve por razões salariais, como ocorreu recentemente.
A origem do último conflito está numa divergência sobre o montante dos soldos. Segundo os soldados grevistas, os soldos seriam inferiores aos que haviam sido prometidos. Foram precisos vários dias de ásperas negociações –e a votação do orçamento da NPFK em regime de urgência– para devolver um pouco de ordem às suas fileiras. Na semana passada, o general-comandante da Força afirmava que o problema estava resolvido, mas, a julgar pela inquietude de seus assessores, pode-se prever que haverá outras "surpresas" futuras.
Força Neutra
Colocada sob a autoridade do Conselho Executivo de Transição (CET) e formada por soldados provenientes do Exército sul-africano, dos Exércitos dos bantustões, da polícia, de fileiras dos ex-guerrilheiros do Congresso Nacional Africano (CNA) e do Congresso Pan-Africano (PAC), a Força de Paz, supostamente mais neutra do que as unidades sul-africanas tradicionais, foi criada para manter a ordem pública durante o processo eleitoral. Cerca de 3.500 fazem treinamento em Bloemfontein, enquanto outros 1.200 acabam de começar sua formação em Koeberg, perto da Cidade do Cabo.
Desde a criação das novas unidades, elas se vêem mergulhadas numa enxurrada de problemas. Em Bloemfontein, os recrutas perceberam que seriam tratados com dureza, num acampamento de barracas rudimentares, sem higiene nem meios de treinamento. Enquanto o CNA desafia o governo e o Exército, acusados de não seguirem as regras do jogo, vários incidentes teriam explodido entre os instrutores, em sua maioria brancos, e os soldados negros, alguns dos quais já combateram contra seus atuais superiores. O clima entre está tão ruim que a imprensa sul-africana reportou –sem ser desmentida por ninguém– vários casos de deserção entre soldados e de demissão entre os instrutores.
O CET pode afirmar que tudo voltou à ordem, mas apesar disso acaba de admitir que 117 homens, insatisfeitos com suas condições de vida na base de Bloemfontein, desertaram. Essas deserções se somam aos 70 demissionários que deixaram o acampamento definitivamente quando a greve terminou.
A proposta original era de que a Força de Paz tivesse cerca de 30 mil homens. Hoje fala-se em 10 mil homens, mas tem-se a impressão de que, no momento das eleições, eles não serão mais do que 5.000. É um contingente insuficiente, que se tornaria incapaz de cumprir sua missão.
Para o futuro governo, é exatamente esse o aspecto mais preocupante. A força de manutenção da paz estava sendo vista como embrião do futuro Exército, no qual se integrariam os ex-adversários. A julgar pelos últimos incidentes, o modelo não é perfeito. Para manter a ordem, o próximo governo será obrigado a valer-se das forças tradicionais, sobre as quais ele exercerá menos controle.

Tradução de Clara Allain

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