São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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EUA abafaram queda de bombas H em 61

TAD SZULC

Os EUA estiveram à beira de uma catástrofe nuclear em 24 de janeiro de 1961. Duas bombas "sujas" de hidrogênio caíram num campo alagado de uma fazenda nas proximidades de Goldsboro, Carolina do Norte, depois que o bombardeiro B-52 que as carregava se despedaçou no ar. Cada uma tinha 1.200 vezes a potência das bombas de 20 kilotons que destruíram Hiroxima e Nagasaki em 1945. As dimensões desse quase-desastre, um dos segredos mais bem guardados da Guerra Fria, estão sendo reveladas pela primeira vez.
A bomba "rompeu-se com o impacto", nas palavras de um documento interno do Pentágono, porque seu pára-quedas não se abriu depois de o avião soltar a carga letal. A única "intertrava" em funcionamento evitou a explosão que teria desencadeado a crítica reação em cadeia de urânio-plutônio. Devido a suas características "sujas", a bomba teria espalhado radiação letal e devastação.
A segunda bomba teve a queda amortecida pelo pára-quedas. Mas mergulhou no que o relatório descreve como "terreno agrícola alagado". Foi impossível recuperá-la, apesar das "escavações de até 15 metros de profundidade". Está enterrada até hoje, cerca de 24 km ao norte de Goldsboro.
Durante anos a Força Aérea fez testes no solo e nos poços de água, para determinar se houve vazamento de radiação da bomba perdida, mas não encontrou vestígios disso. Segundo o documento do Pentágono, "não existe radiação detectável nem perigo na região".
Por ocorrer quatro dias após a posse do presidente Kennedy, o acidente de Goldsboro foi a primeira crise de seu governo. Foi tratado com extraordinário sigilo. A verdade sobre o perigo potencial nunca foi levada a público. Apesar disso, é possível reconstruir parte da história 33 anos depois.
A perda das bombas de hidrogênio foi admitida pela administração na época. Artigos sobre o acidente foram publicados com destaque nos jornais de Goldsboro. Curiosamente, pouca atenção foi dada à história no país.
Já Kennedy tinha grandes motivos para preocupação. Ele havia baseado sua campanha presidencial na questão do "atraso de mísseis", afirmando –sem razão– que os EUA estavam muito atrás da URSS na corrida nuclear. Quatro dias depois de assumir o cargo, descobria que a força nuclear estava repleta de problemas.
Depois do acidente, o presidente foi informado de que o acidente fora resultado de uma falha estrutural nas asas dos B-52. O Comando Aéreo Estratégico (SAC) havia concluído que a segurança nacional correria menos perigo com os defeitos do que se o país ficasse privado, mesmo que por tempo limitado, da disponibilidade total da Força Aérea.
As armas carregadas pelos aviões B-52 eram as chamadas bombas "sujas" de hidrogênio, cada uma com potência de 24 megatons –equivalente a 24 milhões de toneladas de TNT. Cada um dos aviões levava duas. Eram as bombas mais poderosas do arsenal norte-americano, projetadas para retaliação contra bases aéreas e de mísseis soviéticas.
O documento do Pentágono sobre o acidente refere-se às bombas dizendo que elas "contêm urânio", descrição que as faz soar relativamente inofensivas, lembrando a arma "pequena" que atingiu Hiroxima e Nagasaki. Ralph E. Lapp, físico norte-americano que esteve ligado ao Projeto Manhattan, na época da Segunda Guerra, e ao desenvolvimento da bomba atômica, diz que as bombas eram do tipo "caroço selado", com um núcleo de plutônio. Esta "cápsula" de plutônio era envolta num invólucro de urânio U-238, por si só uma bomba atômica. A arma era conhecida como uma "bomba suja". Lapp foi o primeiro a divulgar as implicações do acidente da Carolina do Norte, no livro "The Weapons Culture" (A Cultura das Armas), de 1968.
Com as duas bombas "sujas" em seu compartimento, o B-52 deixara a base Seymour Johnson em sua missão no dia 23 de janeiro e, quando retornava, no final do dia 24, deu de encontro com uma violenta tempestade. O vento era tão forte que o piloto teve medo de que as asas de seu avião pudessem se romper e ordenou que a tripulação abandonasse o avião antes que fosse tarde demais. Naquele momento, segundo o relatório, a asa direita se rompeu e o B-52, de oito motores, quebrou-se no ar.
Nas palavras do relatório, as duas bombas "se separaram" do avião. Cinco dos oito membros da tripulação sobreviveram, tendo saltado de pára-quedas. Três morreram. Como pedaços do avião caíram na mesma região de Goldsboro, a Força Aérea foi obrigada a admitir que havia perdido um B-52. A população de Goldsboro (porque muitos de seus habitantes eram amigos dos aviadores) sabia que o B-52 carregava armas nucleares. Mas era só isso.
Todas essas informações estavam contidas no primeiro "briefing" fornecido a Kennedy depois do acidente de Goldsboro. Ao que se sabe, foi o primeiro caso de perda de armas nucleares em vôo pelos EUA. Mas o grande choque para Kennedy foi quando, cinco dias depois, foi informado da descoberta de que cinco das seis "intertravas" de segurança não haviam funcionado na bomba que se desmantelou perto de Goldsboro.
As "intertravas" eram alavancas que controlavam os circuitos eletrônicos na bomba. Segundo Lapp, não era necessário que se "armasse" uma bomba do tipo usado em 1961 para ativá-la: ela já estaria "armada". Os projetistas estavam convencidos de que as "intertravas" eliminavam o perigo de uma reação acidental.
Informado do "quase-desastre", o presidente ordenou a revisão imediata de todos os sistemas de segurança de armamentos no arsenal nuclear dos EUA. A revisão deu os resultados pretendidos, porque nenhum desastre nuclear aconteceu nos três outros incidentes conhecidos de perda de armas norte-americanas desse tipo.
Depois disso o SAC pôs fim aos "alertas aéreos", porque a evolução da estratégia nuclear passou a dar ênfase maior aos mísseis intercontinentais e aos submarinos nucleares. Mas, à medida que os segredos da Guerra Fria continuam a vir à tona, sabe-se hoje como os EUA, que inventaram a bomba atômica, chegaram perto de uma tragédia nuclear no próprio solo.

Tradução de Clara Allain; Copyright International Press Syndicate

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