São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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Bob Wilson leva "Alice" ao público português

JAIR RATTNER
DE LISBOA

O norte-americano Bob Wilson invadiu Lisboa. Dentro da programação da Capital Européia da Cultura, os portugueses puderam no último fim-de-semana conhecer o trabalho de Wilson –considerado um do melhores diretores de teatro dos Estados Unidos– de quatro formas diferentes: uma instalação, uma conferência do próprio Wilson sobre seu percurso, a peça "Alice" e um documentário na televisão sobre a maneira como foi feita a montagem. A peça "Alice", baseada nos dois livros de Lewis Carroll –"Alice no País das Maravilhas" e "Alice do Outro Lado do Espelho", foi uma montagem com o grupo alemão do Thalia Theater, de Hamburgo. Com músicas em inglês de Tom Waits e texto em alemão, a peça trazia as marcas do perfeccionismo de Wilson –que chega a ensaiar dezenas de vezes um gesto ou a postura de uma mão.
"Escolhi Alice porque queria fazer um trabalho com o Tom Waits e achei que seria um assunto bom para trabalharmos juntos. Queria encontrar a minha própria forma de apresentar estas idéias", afirmou Wilson numa coletiva de imprensa no intervalo dos ensaios.
A encenação foi dividida em 14 cenas simétricas: "Eu primeiro fiz uma estrutura de sete cenas que espelhavam sete cenas. As primeiras sete cenas são mais relacionadas com 'Alice no País das Maravilhas' e a segunda metade com 'Alice do Outro Lado do Espelho'." Entre as cenas, Wilson coloca o que chama de "peças-joelho", para dar maior articulação entre as partes do conjunto.
Um dos criadores do teatro de imagem, Wilson, 54, considera-se um formalista. "O formalismo dá uma distância para que você possa refletir sobre o que está fazendo. Não é necessário ser imediatista. Ser formalista é uma forma de respeito pelo público, porque não se deve insistir no que está dizendo, mas permitir que ele tenha suas próprias idéias" explicou.
Em seus trabalhos, o formalismo funciona como amplificador dos sentimentos e emoções, em oposição ao naturalismo: "Tentar atuar naturalmente no palco é uma mentira. É mais honesto quando você aceita o fato de que o que você está fazendo no palco é artificial. É a morte do teatro", acusou.
Na conferência, contou que sua primeira reação à ordem natural foi aos nove anos de idade: "Acordei uma vez às 3 horas da manhã, tirei todas as louças do aparador e coloquei de novo de uma forma organizada". É esta organização racional que procura nos seus trabalhos. Suas peças têm uma harmonia geométrica, com um forte componente lírico: " 'Alice' é mais leve do que o 'Cavaleiro Negro' " –a outra peça que fez com Tom Waits. "Parece mais com o champanhe", afirma.
No momento, Wilson desenvolve cerca de dez projetos. "Estou trabalhando numa nova peça para o Munich Kameraspielle Theater, baseada nos contos de Grimm, preparo uma montagem de 'Hamlet' e vou escrever o roteiro de um filme com um cineasta de 21 anos de Berlim. Estou preparando uma ópera de Gershenstein em três atos, uma montagem de uma obra de Hans Peter Kuhn, um 'Doutor Faustus' com um grupo internacional de estudantes, outra de um texto de Wirtenstein."
Para o Brasil, onde já esteve apresentando uma peça de 12 horas de duração, não tem planos de voltar no momento.

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