São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 1994
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A agonia do focídeo

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Continuo preocupado com o destino da foca desgarrada que foi parar em Paquetá. Aterrado, leio que ela entrou em greve de fome, recusa-se a alimentar os seus três metros e meio de comprimento e a tonelada e meia de seu peso.
Pior do que a greve de fome deve ser a falta de consenso a respeito dela. Já a chamaram de foca, leão-marinho, elefante-marinho e lobo-marinho, embora os especialistas a xinguem de focídeo.
Taí uma palavra que jamais ouvira. Ia terminar meus dias sobre a face da Terra sem saber que havia focídeos no mundo e nos dicionários. Deve ser reles ignorância dos entendidos em foca. Parecem aquele locutor de rádio que confundia Mozart com Chopin. Ou como eu próprio, que confundia Caetano e Gil e até hoje não sei a diferença entre funk e punk.
Impossível que um focídeo possa ser leão, lobo e elefante ao mesmo tempo. Mesmo assim, houve progressos por parte dos entendidos: sabe-se o sexo da foca. Parece que é macho. Como os tempos andam incertos, nunca se sabe.
Agora, que é um sinal que ainda não compreendemos, isso é. O focídeo surgiu justo na hora em que nos aparece uma espécie de focídeo terrestre, a URV, da qual também ignoramos o essencial (se vai ou não dar certo). No caso da foca, temos o referencial erudito que é "phocidae". Da URV, só temos as explicações da equipe econômica –que confundem mais do que explicam.
Posso ser acusado de atos abomináveis, menos de omissão: é a segunda vez que proclamo o óbvio, como os profetas do Nelson Rodrigues e da Bíblia. O focídeo é um sinal. Não sabemos de quê, mas boa coisa não vem por aí. De um focídeo, como dos frades espanhóis que aparecem nos romances de capa-e-espada, deve-se esperar as piores coisas.
Estranho, nisso tudo, é o silêncio do programa do PT que tanto se preocupa com as minorias e os oprimidos. Os intelectuais do partido não levaram em consideração a agonia da foca –símbolo, resumo e advertência de todas as fomes, de todos os desgarrados.

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