São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
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Soluções enganosas

JANIO DE FREITAS

As duas novidades mais salientes do programa de governo do PT, para a eventualidade de vitória do Lula, indicam que o radicalismo tão acusado cede lugar ao eleitoralismo equivocado.
Legalização do aborto. Mesmo sendo inconfiáveis as estatísticas sobre aborto, como as de todas as atividades clandestinas, não há dúvida de que os abortos cirúrgicos são habituais em todas as classes sócio-econômicas. Com uma diferença essencial entre elas. Da classe média para cima, as intervenções são feitas em clínicas e consultórios com melhores recursos médicos. Da classe média para baixo, os abortos, em número presumidamente muitas vezes maior, são feitos em matadouros. Esta palavra não é força de expressão, não. Um dos problemas permanentes dos hospitais públicos, no Brasil todo, é tentar salvar de graves infecções as pacientes de abortos sem cuidados. São multidões de vítimas, com quantidade pavorosa de casos fatais, sobretudo de pacientes que não quiseram ou não tiveram como recorrer a hospital público.
Permitir que os abortos se façam nestes hospitais seria um modo de reduzir muito a indústria da morte que enriquece os aborteiros. Mas também, com toda a certeza, um motivo a mais para que as classes desprotegidas não gastem seu mínimo dinheiro com pílulas e preservativos. Se acontecer o indesejado, resolve-se no hospital público. Logo, da pretensa solução do PT pode-se esperar que houvesse aumento do problema. E ainda de outro problema, que é o custo da medicina pública. Quem aceita o controle da natalidade pelo aborto não pode recusá-lo pelo método brando da pílula. Cuja distribuição pelo governo há de custar muito menos do que a adaptação dos hospitais (supondo que isto pudesse acontecer) para receber multidões de grávidas contrariadas. A solução do PT só pode ser interpretada como um atrativo para os votos destas multidões.
Legalização do casamento de homossexuais. Mas a esta altura, em que a união de heterossexuais sem casamento derrubou os preconceitos e é reconhecida como tão legítima quanto o casamento formal? Casamentos de homossexuais podem atender a necessidades de exibicionismo, mas em nada reduzem, antes agravam, a visão preconceituosa e o seu equivalente não menos maléfico, a visão demagógica do homossexualismo. Outra vez, o despropósito da proposta petista só pode ser interpretado como atrativo para os votos numerosos dos homossexuais.
O radicalismo era melhor. Até porque não era radicalismo mesmo.
Distinção
O deputado Ricardo Fiuza está fazendo suas anunciadas visitas aos que supõe formadores de opinião. Entrega um livro que reproduz, em nada menos de 136 páginas, sua defesa apresentada à comissão que o julga na Câmara. E tem a gentileza de não pedir adesão à sua causa. O que pede é a diferenciação no tratamento do seu caso:
"São quatro as acusações a mim: acréscimo de emendas depois de aprovado o Orçamento, omissão por não dissolver o 'esquema' do Orçamento, favorecimento na extensão de eletricidade para uma fazenda e empréstimo com irregularidades na Caixa Econômica. A minha defesa fundamenta a contestação a estas acusações. Mas o que eu peço que notem é que a CPI vasculhou os meus vencimentos bancários e os de minha família, e nada encontrou contra qualquer de nós. Meu nome não apareceu ligado a nenhuma empreiteira. Ou seja, eu não estou entre os acusados de ganhar dinheiro usando o Orçamento, e esta é a distinção que eu acho que deve ser feita por justiça."

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