São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
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Estamos cegos

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Tinha decidido não voltar nos próximos dias ao debate sobre ética médica. Mas, ontem, recebi um apelo de médicos para revelar um escândalo –o apelo veio acompanhado de documentos. É revoltante. O Conselho Nacional de Saúde aprovou medida para baratear a aquisição de óculos, o que ajudaria, em especial, os mais pobres. Mas há um forte lobby de oftalmologistas (especialistas em olhos) impedindo que a decisão saia do papel.
O Conselho Nacional de Saúde permitiu que óculos de grau para leitura sejam vendidos em lojas como, por exemplo, nos EUA. O paciente ficaria dispensado de ir antes ao médico caso sinta a vista cansada, reduzindo os custos. Um par de óculos numa loja só custaria entre US$ 3 e US$ 5.
Recebi atas das reuniões do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Ali se denunciam pressões dos oftalmologistas, os primeiros prejudicados –até porque alguns deles têm acordo com óticas. Os médicos do conselho, entre eles a representante da CNBB, Zilda Arns, aprovaram a inovação, respaldados inclusive em estudos realizados nos EUA.
Nas reuniões, Zilda Arns argumentou que, em centenas de municípios, não havia oftalmologista –e muitas pessoas simplesmente não podiam ler. O fato é que, em abril do ano passado, o Conselho Nacional de Saúde liberou autorização, mas ficou sem a assinatura indispensável do ministro. Na época o ministro era Jamil Haddad.
O assunto permaneceu em banho-maria. No final do ano passado, oito meses depois, portanto, o Conselho Nacional de Saúde voltou à carga. E, mais uma vez, emitiu parecer liberando a venda de óculos. Estamos em março e, até agora, nada –o ministro Henrique Santillo pediu novos estudos.
PS – Minha indignação cresce porque sei como os americanos são rigorosos com testes de remédios. Ao contrário daqui, onde a impunidade e a falta de fiscalização são a regra, lá o jogo é duríssimo. Um documento da Academia Americana de Oftalmologia recomenda os óculos de leitura, adquiridos em lojas, considerando-os seguros. Prometo aos leitores que, a partir de hoje, vou acompanhar todos os dias esse assunto e cobrar diretamente do ministro da Saúde.

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